sábado, setembro 06, 2008

E o jornalista, o que é? Digam agora e sem desculpas, sem avessos, sem culpas, sem pudores, sem ausências, sem pendências: o jornalista, o que é?

O jornalista é este meu vizinho, essa vizinha, que não mora no mesmo lugar que eu. Sim, talvez seja este meu vizinho que levantou cedo, colocou seu terno bacanudo e foi trabalhar numa grande empresa e ganhar um salário enorme e eu, quando vejo o jornalista bacanudo, fico pensando que eu podia ter sido jornalista, ter estudado muito-muito jornalismo e hoje não me preocupar com o ônibus cheio que vou pegar daqui a pouco e trabalhar sem pensar em palavrões como a inflação, a crise da macro-economia, as palavras bonitas e cheias, porque para mim a barriga é aquela que anda vazia, o boneco é aquele feito do Judas que a gente queima na hora que tem que queimar e o furo é esse oquinho que uma bala de 38 fez na testa daquele menino que os prepostos do glorioso exército brasileiro entregaram para uns traficantes lá no alto, lá no alto, mas lá no alto mais alto mesmo do morro, do céu.

Mas e o jornalista, o que é? Digam agora e com coragem, com meios e fins, com vontades, com descaro, indecentemente dizendo o que é, o jornalista, o que é?

O jornalista é esse sujeito ou essa sujeita que acordou cedo e também foi trabalhar numa grande empresa, só para ganhar o salário de poder pagar a universidade que ele está fazendo noturnamente e contra muitas expectativas. Então, esse não é ainda o jornalista, mas é o futuro jornalista que sai para trabalhar em companhias telefônicas, em enormes, enormes e mais enormes ainda instituições financeiras, em laboratórios de remédios, sempre ou quase sempre como estagiário, ganhando uma grana que é pra pagar a universidade e uma cervejinha depois da última aula e um bombonzinho que a colega vende em sala pra ajudar nas despesas, pra ajudar a mãe, o pai, os irmãos, só pra um dia todos eles poderem colocar uma roupa bonita, uma roupa a mais bacanuda que existe, mandada especialmente fazer para a ocasião, e irem bater palmas, assoviar, gritar, berrar, trazendo faixas e soltando confetes, soprando apitos estridentes e ficando muito felizes, mas muito felizes mesmo porque aquele sujeito ou aquela sujeita que antes acordava cedo e ia trabalhar de estagiário, de simples estagiário num banco, numa companhia telefônica ou num laboratório de remédios, agora, esse sujeito não vai ser mais um reles estagiário e está aí, saiu hoje cedinho com o currículo debaixo do braço e até o fim do dia, até o fim da semana, até o fim do mês, até o fim do ano, até o fim da vida, se Deus quiser, esse sujeito, essa sujeita, eu, tu, ele, ela, nós, vós, elas, eles arrumaremos um emprego que é pras coisas continuarem globalizadamente certas, vivendo o paradoxo intransponível de mudarem para continuar sempre, sempre, sempre no mesmo lugar.

Então, digam agora, com a sinceridade possível, com a dor agüentável, com o choro legítimo, com a fala embargada, a emoção sem limites, o medo, o medo, o medo, digam: o jornalista, o que é?

É esse arcanjo que, há três dias, há não sei quantos dias, saiu apaixonado investigando bandidos, mas esses bandidos descobriram que ele estava investigando, e, então, esses malucos pegaram esse arcanjo e torturaram, espancaram, bateram muito, cortaram os pés, as mãos, botaram fogo e deixaram queimar. E o corpo desse arcanjo queimou tanto e as cinzas e as fumaças voaram tão alto que muitos outros sujeitos e sujeitas quiseram também ser arcanjos e arcanjas só para não deixar de lembrar nunca de dois Vladimires: um jornalista, jornalista, sempre jornalista, que também morreu porque acreditava; e outro poeta, poeta, ininterruptamente poeta, que dizia querer “brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é pra brilhar, que tudo o mais vá pro inferno, este é o meu slogan e o do sol”.

Então, digam. Pelo amor de Deus, digam logo: o jornalista, o que é? Pelo amor dos slogans, pelo amor dos sóis, pelo amor dos brilhos eternos, das girafas e dos micos-leões-dourados que estão acabando, pelo amor das ladeiras de Ouro Preto, pelo amor dos anjos e dos arcanjos, dos rouxinóis que cantam futuros repletos de furacões, pelo que está escrito em Jó e Eclesiastes, pelo que está dito em Rubem e Nélson também, pelo perseguido e pelo perseguidor, pelo palhaço adormecido perto das estrelas com um cachorrinho lambendo seu rosto, pelos que morrem e pelos que vivem, pelos que têm e pelos que não têm razão. Digam, digam logo: o jornalista, o que é?

Ah, sim. Talvez o jornalista seja esse sujeito que escreve, que escreve porque tem que escrever, porque precisa escrever, que escreve para ser ele próprio escrito, que sacrifica, que grita, que berra, que fala baixinho para o outro não acordar, que expulsa os comerciantes do templo, que acolhe os amigos com beijos na testa, que perdoa os inimigos quando eles merecem, que chora, que chora, que chora, que ri, que tem medo, que vai adiante, que vem aquém, que vai além, que importa, que respira, que transpira, que suspira, que assume, que se levanta, que se levanta agora neste mesmo momento e diz: -Sim, sou eu esse sujeito, sou eu esse homem, essa mulher, que está aqui agora, que está aqui agora com o coração suspenso, com os corações ao alto, sou eu esse sujeito que está aqui agora para assumir o que tiver que ser assumido, sou eu esse pobre, sou eu esse negro, sou eu esse gay, sou eu esse gordo, sou eu esse magro, sou eu essa diferença, sou eu essa oposição, sou eu esse feio, sou eu esse guapo, sou eu esse desajeitado, sou eu esse impaciente, sou esse inconformado, sou eu essa diversidade, sou eu esse mendigo, sou eu esse povo, sou eu essa dor, sou eu esse medo, sou eu esse ímpeto, sou eu essa vontade, sou eu essa esperança, sou eu essa verdade, sou eu essa busca, sou eu esse amor.

Sim, sou eu esta Alessandra, sou eu este Alisson, sou eu esta Ana Paula, sou eu este André, sou eu esta Antisa, sou eu esta Ariane, este Bruno, somos nós estas Camilas, sou eu este Cássio, esta Cláudia, esta Cristiane, sou eu este Edmundo, esta Emile, esta Emmanuelle, esta Fabiana, esta Fabrícia, esta Fernanda, esta Flávia, sou eu este Hudson, esta Jordânia, esta Laura, sou eu este Lázaro, este Leandro, esta Lidiane, somos nós estas Lívias, sou eu este Lucas, esta Luciene, esta Ludmila, este Marcos, esta Maria Letícia, esta Nilde, esta Patrícia, este Peterson, esta Poliana, esta Priscila, esta Rita, este Robson, este Samuel, esta Sandreane, esta Sheila, este Vinicius. Sim, sou eu esse povo, sou eu essa dor, sou eu esse medo, sou eu esse ímpeto, sou eu essa vontade, sou eu essa esperança, sou eu essa verdade, sou eu essa busca, sou eu esse amor.

Então, respondam, respondam logo e sem perder um único segundinho sequer: o jornalista, o que é?
  • Discurso pronunciado na formutura da turma de Jornalismo, turno da noite, do UNI-BH, em setembro de 2008.

15 comentários:

Cecília Olliveira disse...

Caríssimo Professor Maluco Beleza... Sempre professor, por alguns maluco, mas sempre beleza... Adoro seus textos, seus inpiradores textos...

Anônimo disse...

Acho que nunca na minha vida, nem quando meu avó que eu tanto amava morreu eu chorei tanto, eu me emocionei tanto quanto no dia da minha formatura. Nunca me senti tão tocada ao ouvir, ao ler versos... Sempre fui um pouco fria com poemas... Mas amado Edmundo vc me fez renascer da frieza. NUNCA CHOREI TANTO NUNCA AMEI TANTO NUNCA ME SENTI ASSIM TANTO!

Te amo demais... e obrigada por ter participado da minha vitória!

Wander Veroni Maia disse...

Oi, Ed!

Eu que sou um apaixonado por textos me emocinei ao ler este texto. Sei o qto a profissão de jornalista é difícil...principalmente para quem quer entrar em redação e não teve oportunidade. Daí eu começo a agradecer a Deus as oportunidades que tive e as boas pessoas que entraram na minha vida, como vc.

Hoje estou empregado, mas no início as dúvidas, os medos, as incertezas, pairavam sob a minha cabeça. Creio que isso é normal qdo se está começando. Mas agora tudo é mais calmo, mais corrido, mas nem por isso deixou de ter o sabor da novidade.

Agora vejo que tudo isso foi apenas uma questão de tempo. Tempo esse que me mostrou que ser jornalista é amar o o jornalismo. E lutar para que de alguma forma eu mude o coração das pessoas e do mundo.

Mestre, por isso sou seu fã #1! Como eu queria ter escutado esse texto....EMOCIONANTE!

Abração,

=]
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Fabrício Marques disse...

Caríssimo Edmundo, vasto Edmundo,
grande discurso, vindo de dentro da alma.
E eu pergunto: e o Edmundo, o que é?

renata.ferri disse...

"Sensacional"

Flavimar Dïniz disse...

Aposto que muita gente vai pedir para incluir esse discurso em convites de formatura, que servem para estampar os novos jornalistas, que desde sempre vão carregar a velha pergunta do "jornalista, o que é?"

CONeKTOR disse...

URGENT: Need to contact director of Barbara for presentation in CINEMAROSA in NYC. Send information to: info@cinemarosa.org

TX U

URGENTE: Necesito contacto de director Carlos Gradim para presentacion de Barbara en CINEMAROSA en Septiembre. www.cinemarosa.org enviar informacion a: info@cinemarosa.org.

Gracias, Obrigado...

Anônimo disse...

Edmundo é do mundo, mas não o compreendem. De todas as pessoas, a própria é quem mais se indaga, se exige, se culpa. Saí pelas ruas, pelas avenidas dos pensamentos, pela complexidade dos sentimentos.

Choro, raiva, risadas, menos risadas, mais desilusões. Acorda cedo, não sabe se utiliza o revolver para acabar com a vida. Com a vida da miséria, da injustiça, da solidão, da incompreensão, da própria vida.

Pegar ou não pegar o punhal? A caneta afiada, ponte-aguda, de tinta que se derrama como sangue. Sangue quente, pulsante e contagiante. Cortam-se os pulsos, vai embora o orgasmo. Não tem mais força.

Edmundo, mais um tentando sobreviver. Pensando em correr. Não sabe para onde fugir. Olha para o horizonte, vê o crepúsculo, adormece. Amanhã é mais um dia. Um dia de cão. Mais aulas, mais ensinamentos, mais rotina, rotina, mais rotina.

Diferente da rotina são teus pensamentos. Contra mão do sistema, dito batido, na realidade você depende dele. Mas quem disse que depender de alguém quer dizer que devo ser igual a esse alguém?

Ninguém sabe, desconfia ou imagina os abismos que passam pela tua cabeça. A altitude de seus gigantescos deslumbres. Pena que só vemos a casca desse fruto. Quem é Edmundo? Fruto que passa por temporadas. Primavera, verão, outono, inverno. Mais um ciclo começa. Mesmas emoções. Hora bem, hora ruim. O importante é saber ler as horas.

Continue assim.

Cássio.


PS. Estou no escritório e não deu tempo de fazer as cinco leituras.

Thaís Pacheco disse...

Sou a jornalista, a eterna aluna, que queria ter visto e recebido isso.

Te admiro.

Maíra disse...

o jornalista é aquele que se identificou e se emocionou com seu dicurso.

sem brincadeira, esse é o texto mais bonito sobre jornalismo que já li. o mais completo, o mais verdadeiro, porque o jornalista é mesmo aquele que se escreve, é aquele que é só pergunta.

obrigada, mais uma vez, por tudo. por ter me ajudado a me escrever, a sair com meu currículo debaixo do braço e a assinar meu diploma.

amo muito você.

Cidadão Cão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cidadão Cão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cidadão Cão disse...

Qual Maíra que é você? Beijo.

Nísio Teixeira disse...

Mundo, mundo vasto Edmundo
Perdoa esse comentário vagabundo
Em meio a um texto rubicundo!

Nísio

Mila disse...

Edmundo,
Não fui dessa turma, mas no próximo ano serei um dos tantos jornalistas formados com sua ajuda. Me arrepiei ao ler esse discurso. Adoro seu texto!