domingo, janeiro 16, 2011

4.

Quando? Ah! Um dia aí. Fala a verdade: o que interessam datas e nomes e certificados se o que carregamos dentro quase nunca informa nada disso? São coisas sem documentação, estão só na cabeça de cada um e, na maioria das vezes, impossíveis de serem provadas. Ninguém assina um documento dizendo que passou a odiar fulana de tal no dia 21 de junho de 1899. Impossível uma coisa dessas. O amor, a desconfiança, a admiração, o ódio, tudo isto vai tomando forma pouco a pouco, junto com a gente. E não existe uma proporção exata, matemática. Se odiamos ou amamos, não quer dizer que essa fúria ou esse frescor irão crescendo junto com a gente. Nada não é preciso. Existem ódios e amores que nos alimentam e fortalecem. E também há aqueles que nos fazem definhar inúteis numa cama deserta. Sonhando céis e temendo féus.

Eu já quase morri. E também quase incendiei Paris. Tudo pelo motivo de sentimentos. Tenho uma amiga que, enquanto borra o queixo com panqueique, diz sempre o mesmo brocardo: Quem não se enfeita, assim se enjeita. Não é isso mesmo? Já me deixei sim ficar igual uma morta, um trapo. Malassombro. Hoje, uma podreira como essa não me tem mais. Acendo a luz, ponho roupa e vou bem betty faria desfilar em alguma esquina. Mas isso acontece agora, quando meus quereres se concentraram para então se acalmar. Antes eu era um rememoinho, fazendo e mexendo. Claro que não deixei de odiar. Nem de amar. Só que, agora, amo e odeio sem pretensões, sem muita pressa.

Ou seja: vim aqui ver esse filho da puta morrer. Mas, se ele não morrer hoje, eu volto amanhã. O único que não quero é que ele acabe longe de mim. Preciso estar aqui na hora, no momento, apenas para profundo gozo meu e intenso desprazer dele. Esperei por isso sozinha e sempre. Não contei com a sorte de uma comitiva cruzar comigo na encruzilhada de três caminhos e eu, criando caso, tirar o cacete pra fora, o nicaô, e rachar a cabeça do maldito. Partir tirando sangue e gritando Eu não te perdôo, jaburu doente. Eu não te absolvo, pessoa nefasta. Tudo isso enquanto dou com o pau no perigoso, amassando ossos, esfacelando ideias, esguichando sangue por todos os lados, transpirando cada uma de minhas raivas, de meus ódios, de meus desesperos, de minhas sanhas, de minhas cóleras, de todos meus rancores todos.

Mas não. Como já disse, estou aqui bem betty, esperando em silêncios que me berram por dentro, respirando pausadamente e na certeza absoluta de que tudo acontecerá como a enfermeirazinha preta me falou: -Uma hora, sem que ninguém espere, ele vai abrir os olhos numa última dor e, em um instante de alívio, deixará de respirar, fechando então as pálpebras lentamente, como quem encontra a paz. Foi belo assim que a enfermeira me falou, acrescentando que Nesse momento, nada seria mais reconfortante para ele do que encontrar alguém conhecido a seu lado, para entregar, como um castroalves moribundo, sua derradeira golfada.

Ah!, enfermeirinha preta bonitinha do samurai. Você não sabe, sua amapoa. Você não sabe, mas eu te fazia fácil-fácil. E com prazer. Achei linda essa sua boquinha boqueteira. E a firmeza do corpo, então! Tão durinha assim você que dá até gosto uma noite de brincadeiras. Você não me engana, enfermeirazinha. Na hora do rompe e arrasa, tenho certeza de que você é mamífera. Como é que é seu nome mesmo? Ih! Esqueci. Mas daqui a pouco eu me lembro e vou também me recordar de contar pra você, sua samaritana nagô, o que esse peste vai encontrar no exato momento em que abrir os seus olhos dele para o último suspiro. Acho que você até já sabe. Sei que você não é boba. Isso, negrinha linda, ele vai me encontrar aqui: linda e loira, sentada e calma nesta poltrona, classuda, esperando os olhos dele se abrirem pela última vez. Só uma coisa você errou, enfermeirinha iorubá. Os olhos dele não irão se fechar em paz. Estateladas, as retinas do senhor meu pai não terão outra escolha senão guardar o perfil perfeito de sua filha que se levanta para se colocar intacta, inteira e exuberante em sua mirada. Sim, esta sua filha aqui, com uns seios durinhos e umas ancas, senão férteis, fartas. Uma filha como tantas outras que, à espera do respiro decisivo de seu pai, encontrará apenas a certeza de um ódio incólume, cultivado nos fatos da vida que nunca poderão ser contados.

Então, para que o pai não abandone seu filho e o filho nunca abandone seu pai, cumprirá morrer de olhos bem abertos.

14 comentários:

Tenório disse...

que aula, de precisão, de inventividade da linguagem, de humor, de ousadia.

Anônimo disse...

Graças a deus você escreveu..obrigada pelo alívio.
Pela permissão de odiar!
Escreva mais e mais...

Ufa!!

Cidadão Cão disse...

Quem?

Anônimo disse...

Anônimo.Simples assim.

=)

Anônimo disse...

Engraçado e utilizando varias Linguagens para expor seus sentimentos variáveis .

Pai do seu Nenem disse...

Loucura Loucuraa!!kkkk

Rafael frois disse...

Olá Edmundo!! Satisfação!! Sempre passo por aqui com os meus alunos da Oficina de Midias Sociais. Abraços

Anônimo disse...

Tipo... acho que vc tá precisando de Deus.
rsrs... Bacana esse jeito seu de sentir as coisas!!

Anônimo disse...

Parabens, bem expressivo, variadade emoções gostei =)

Gabi Lara disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

o texto é pouco relevante
foge um pouco ao assunto
não ficou muito bem esclarecido.
não me interessei muito.

Anônimo disse...

um texto bem pesado! Gostei da parte que vc fala sobre "O amor, a desconfiança, a admiração, o ódio, tudo isto vai tomando forma pouco a pouco, junto com a gente".

Anônimo disse...

Bacana a ideia da expressão e de mostrar que o odio e amor podem nos fortalecer ou nos destruir. Que uma mesma ideia podem ser vistas de varios pontos.

Angêla Hillary disse...

Todos temos dentro de nós medos, ódios, fúrias, alegrias, mas isso não significa que quando mostramos esse lado, as outras pessoas apreciem....