quarta-feira, janeiro 16, 2008

As Nossas Ofensas

O que é o perdão? Uma palavrinha que eu, você e a gentalha falamos da boca pra fora e que quer dizer não olhar mais para trás pra enxergar as culpas que você, eu e essa mesma gentalha temos assim uns com os outros? Clemência, absolvição, remissão dos pecados que já fizeram pra cada um de nós?

Nos meus começos, naquela minha busca impertinente da santidade, não conseguia nunca dizer desculpa. Era sempre Me perdoa, fulano, me perdoa, sicrano. Uma coisa! Esbarrava em alguém? Me perdoa. Esquecia uma coisa? Me perdoa. Perdão pra isso, perdão praquilo, perdão praquilo outro também. Todos eram perdoados por mim. Perdoados sempre, nas coisas mais baratas e mais caras, mais pueris e mundanas, inexoravelmente perdoados.

Só que, euzinha aqui, ninguém nunca me perdoou. Não é mentira não. Ninguém nunca me disse Perdão, Ana ou Perdão, professora. Eram sempre desculpas. Desculpinhas tolas, batidinhas no ombro, algumas vezes vazias e tardias. E eu lá: perdão pra lá, perdão pra cá. Pois agora, meu tchururuquis, quero gritar pra esse sertão inteiro me ouvir, pra esse sertão inteiro me escutar: Eu não te perdôo não. Nem te desculpar eu te desculpo. Existem coisas que nem Deus desculpa. Ele, que está acima de todas as coisas e Cujo nome é santo. Ele, que está agora forte a meu lado, junto com todos os exus do mundo e todas as pombas-giras também. Ele, que está limpando com esse limão cheiroso a merda que eu passei na sua cara e depois que esta sua cara está toda limpinha e lambuzada de limão, até com uns gominhos enfeitando; Ele, que me ajuda a abrir a janela e deixar o sol entrar e bater forte em sua cara pra você ver que ainda não chegou sua hora e que você está vivo com a cara preta queimando de ácido cítrico. Ele, que criou o mesmo sol que bate agora no seu rosto, que criou o mesmo sertão que vai ser sua última morada. Ele, que é meu pai e meu algoz, minha dor e minha brisa, minha coragem e covardia, seiva seca, deserto fértil, corda que enforca e chão que ampara, arado e areia, morro e pedra, banana e macaco. Ele, criador e criatura. Ele, O onipresente, O que ordena, O que governa, O que é. Ele, que não vai te perdoar tudo aquilo que me fizeste e vai te fazer sangrar até o bilbo. Ele, que está em tudo e em tudo está.

Ele, Eu.