sábado, dezembro 30, 2006

2007

pense diferente:
a cada fim de ano,
quem nasce de novo é a gente

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Zé Cão

Então, tá, ué.
Eu sou mesmo um zé
Que não vivo sem muié.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

EyE

I’ve seen things you people wouldn’t believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhaüser Gate. All those moments will be lost in time, like tears in the rain. Time to die.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Édipo: acasos de uma leitura heterodoxa

Hoje, quando se olha para trás, e até mesmo para a frente, é quase impossível não enxergar nossa herança e nosso futuro gregos. Assim como é difícil não percebermos a condição trágica do humano. O que Édipo faz, e o vem fazendo desde que foi inventado, é colocar esta tragicidade a dois palmos de nossa cara para, ainda assim, não conseguirmos compreendê-la em toda sua essência. Também nós, por julgarmos muito saber, mal sabemos.

Tratar essa herança, este espólio helênico, de modo crítico tem sido o desafio de quem, com maior ou menor intensidade, pensa, com alguma esperança, este ser humano marcado pela dor trágica. Nesse sentido, a idéia que aqui se tentou propor – ou seja: tentar ver em maiores detalhes como foi pintada a ânfora de San Gimignano – vem como reflexo mesmo dessa disposição de enxergar o mundo com um olhar mais terno.

Com a mais absoluta sinceridade, a grande pergunta que me assaltou no processo de escritura tanto desta dissertação como da situação dramática que lhe faz apêndice, é desconcertante. Para quê? Qual o sentido prático mais razoável, num mundo em que torres são derrubadas por aviões cheios de gente e crianças são atingidas por mísseis a todo o tempo, qual o sentido em tentar afirmar que existe algo por trás do vaso de cerâmica?

Ainda não sei. Sei apenas que este projeto também ainda não acabou. Ao me dedicar a pensar o tema, pude perceber quantas coisas mais foram urdidas sobre o assunto. Édipos reinventados por Corneille, Voltaire, Höderlin, Ducis, Platen, Jean Cocteau, Stravinski, Gide, Bernardo Santareno, Robbe-Grillet, e nenhum deles analisado mesmo que superficialmente por este trabalho. Aqui creio estar, sem dúvida, matéria para várias vidas em busca do melhor entendimento sobre o barro e os pigmentos que deram forma e aparência ao sujeito que se ampara no bastão, à esfinge que está bem a sua frente, à mulher que o espera sem nunca ter deixado que ele se fosse.

Assim, o que pude perceber é que – mesmo que o estudo que fiz possa ser considerado completamente inútil, e que a tentativa de escrever um drama sobre assunto tão sério seja tida como uma pretensão imperdoável de minha parte – mesmo que tudo isso seja verdade, uma coisa é certa: Édipo e Jocasta somos cada um de nós.

Tal conclusão pode parecer óbvia e itinerante, mas não posso deixar de senti-la como talvez a única verdade percebida neste meu esforço que tramou reunir criação dramática e hermenêutica. Sim. A sensação é de que aquela criança que foi entregue ao carrasco somos nós. E de que a mulher que a entrega para que morra no alto de um morro também somos nós.

E é por isso que andamos todos e cada um de nós por aí a assassinar pais, a desvendar charadas, a dormir com filhos, a derrubar edifícios, a sermos atingidos por mísseis, a nos enforcarmos, a cultivar nossa própria cegueira. O fato é que, mesmo sendo, não damos conta de saber o que significa sermos Jocastas e Édipos. E também não sabemos a partir de quais significantes a ânfora de San Gimignano pode ser melhor apreciada. Há realmente uma linguagem masculina e apolínea que nos faz enxergar o mundo por determinado prisma? Em contraposição a esta ordem, existe uma outra que lhe subverte e, intrometendo-se em seus códigos, é capaz de mudar-lhe o sentido?

Não me recordo onde li que Ulisses, o herói grego, arava a areia de uma praia deserta. No entanto, esta imagem ficou em minha cabeça desde então, como se fosse o contraponto do Édipo que é entregue ao verdugo e da Jocasta que, depois de entregá-lo, põe-se a esperar. Por isso, ainda me pego consultando verbetes de dicionários e a fazer pesquisas na internet. Talvez, num arroubo dionisíaco que, por que não?, só Freud pode explicar, tenha inventado para Ulisses esta cena.

Mas, ainda hoje, tal idéia – a de um homem arando algo que não faz sentido arar – não sai de meus pensamentos. O que me parece é que, de uma ou outra forma, o viril e astuto herói de Ítaca se redime de todas as guerras e mortes que pesam em suas costas ao cultivar a areia da praia. Posso até mesmo ver a figura consumida de um anĕr velho e cansado das batalhas de Tróia, ou de suas odisséias pela Trácia, enxugando o suor que lhe goteja do rosto, tendo o Egeu como fundo. O lugar poderia ser a ilha de Éolo, e nosso herói parou apenas um instante, a fim de recuperar suas forças para voltar a correr a charrua pela parte da praia que ainda falta ser sulcada.

O que imagino é que, com esse trabalho trepidantemente estéril, Ulisses também tenha procurado se redimir dos longos anos em que deixou sua Penélope a tecer e destecer a mortalha de Laerte. A vida entre as gentes, sobretudo hoje, em que os fios da harmonia parecem completamente perdidos da meada, revela-nos sempre algo desse Ulisses que lavra o infértil e dessa Penélope que espera fiando e desfiando. Desse Édipo que mata o pai para depois tomar seu lugar e dessa Jocasta que manda matar para, em seguida, desejar a volta.

Explico. Enxergar o outro, creio, é avistar-nos a nós mesmos. Esperamos do outro não aquilo que ele é, mas o que queremos que ele seja ou o que nós próprios gostaríamos de ser. Por isso, as odisséias nos relacionamentos. Por isso, o tecido que deve ser desfeito a cada noite. Por isso, talvez, tentar ver Édipos e Jocastas a partir de outras miradas.

Acredito também que é para manter vivas suas esperanças de encontrar seu Ulisses que Penélope desfaz a mortalha que fiou. É para redescobrir sua Penélope que Ulisses lavra um solo que jamais poderá dar frutos. Então, e isso parece terrível, o que avistamos no outro é nossa própria esterilidade e, com medo dela, enlouquecemos na espera e no áspero.

No fundo, em cada circunstância de encontro nesse nosso mundo grego e precário, também rogamos descobrir Penélopes e Ulisses, Jocastas e Édipos. Mulheres capazes de arar o inútil e homens capazes de tecer o que no dia seguinte deverá ser refeito. Naquilo que buscamos, acredito que o que sempre irá durar é mesmo a chama essencial. Aquela chama que arde e que não vemos, como lembra Camões. Assim é o Ulisses que também espera, talvez para se redimir de quem por ele arou o impróprio. Assim, a Penélope que venceu guerras e moeu o áspero, talvez para se perdoar de quem por ela passou as noites desfiando. Assim, a espera. Assim, a criação literária. Assim, a recriação científica. Arar, fiar, desfiar e pensar podem ser mesmo aquilo para o qual não encontraremos nunca explicação. E para o qual talvez não estejamos mesmo preparados. Assim, Jocastas. Assim, Édipos.

Assim, nós.
-Esta é a conclusão da minha dissertação, defendida no último 27 de outubro.

sexta-feira, novembro 03, 2006

O vômito da aluninha

Odeio as palavras. Esse poder que elas têm é mais que tudo, mais que todos, e isso é surreal. Eu as odeio porque elas entram em mim mas não saem. Por causa delas e só delas, não consigo fazer com que nenhum ato comunicativo meu seja completo. Elas parecem só ter uma via pra mim. Mão única. E passam, me atropelando e buzinando, como se não me vissem andar pela calçada, à margem do alcance delas. Mas não estou à margem nem fora do alcance dessas subjetivas, simbólicas, endiabradas e angelicais palavras. Elas me arruinaram porque não me deixaram que as usasse, antes pelo contrário – elas me usam e fazem de mim o que bem querem. Sou uma bêbada equilibrista, tentando catar umas poucas palavras para as sorver em goles amargos. E ser mais louca ainda tentando compreendê-las e dissecá-las. Deve ser por isso que nos odiamos tanto. Elas não me deixam que as entenda e em troca pelo meu atrevimento, não deixam que eu seja entendida por ninguém. Elas se fazem de boazinhas e deixam que nós (pobres seres humanos, cativos ao poder dessas Medeias) nos compreendamos por elas pra depois tirar da gente todo entendimento. Prozac, guerras, fome, isolamento, solidão. Pra isso elas não prestam, pra ajudar a resolver isso elas não prestam. São umas preguiçosas.
Nunca consigo usá-las do jeito que quero e por isso as odeio. São umas emprestáveis, preguiçosas, cínicas e falsas. Quando você pensa que elas são suas amigas, é melhor tomar cuidado: é só uma armadilha pra que te dêem o bote. Pra que depois você não consiga se desenredar delas. Pra ficar como eu: dependente químico, biológico, psicológico e lógico de palavras, e amá-las mais que a vida apesar de odiá-las mais que à morte. Elas são mesmo um bando de filhas da puta. Ah, se eu fosse uma palavra!... Acho que ia pensar mais ou menos assim:
Louca
Nua
Pouca
Crua
Sou uma palavra nojenta e desvairada,
Que te espanta no seu ócio e no seu hiato criativo
E você, ser humano... (idiota!)
Não passará e não conseguirá nada sem antes ter o meu crivo.
No meu trono me assento e dele me levanto,
Faço dele o uso que quiser
Porque na verdade meu trono
É a cabeça de quem lá dentro me puser.
-Texto de Meghie Rodrigues, minha aluna do 6° período de Jornalismo.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Prayer

Fake com Deus. Amém.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Quer saber?

Claro que eu não nasci pro de amanhã. Claro que sou preguiçoso. Claro que tenho que trabalhar. Claro que se eu pudesse passava a vida à tôa: bebendo, trepando, comendo, fodendo, fumando. Claro que sou diabético tipo um. Claro que tem gente operada de apendicite. Claro que Édipo Gay e Jocasta Piranha. Claro que as mulheres têm nomes e não são só meus amores. Claro que os meus filhos são lindos. Claro que existem ex mulheres das quais é dificílimo separar. Claro que eu estou apaixonado. Claro que amanhã é tudo fake. Claro que eu só escrevo merda. Claro que viver é comprido. Claro que é muito breve também.
Quer saber?: foda-se.

sábado, outubro 21, 2006

Ciúme

Úmido,
O ciúme
Não convence.

quinta-feira, outubro 05, 2006

É só

Confissão do dia: viver é mais pra ruim.

quarta-feira, outubro 04, 2006

A invenção do mundo

A idéia é mesmo a de sentar aqui e fazer disso aqui uma metralhadora. Uma dessas coisinhas apontadas que você dispara e nem consegue ver o que sobrou do outro lado. Você dispara em francês. Drôle. Você dispara em inglês. Fuck. Você dispara em espanhol. Joder, tía. Você dispara e eu disparo também, só por puro prazer singelo da reinvenção. Babel barulheira boa. O mundo vai acabar todinho depois desses tiros todos. Ninguém quer entender ninguém: português, francês, inglês e espanhol.

Quer saber: foda-se.

terça-feira, agosto 29, 2006

O sedutor seduzido

Hoje, irei iniciar a escritura de uma pequena novela sobre a sedução, ou algo que o valha. Estou fatigado.

terça-feira, agosto 22, 2006

Édipo - Acasos de uma leitura heterodoxa

Trata-se de uma ânfora de cerâmica datada de 440 a. C (ver Anexo A). Neste vaso grego, que se encontra no Museu Municipal de San Gimignano (Siena, Itália), sobre uma base negra, a pintura coruscante em vermelho mostra um homem apoiado num bastão. À sua frente, a esfinge parece esperar uma resposta para a pergunta que foi feita ao sujeito. Se este homem, que mais se assemelha a um velho se escorando numa vareta em busca de equilíbrio, solucionar a adivinha que lhe foi proposta pelo monstro que tem diante de si, as recompensas podem ser enormes.

(...)

Mas será mesmo que tudo depende apenas de uma resposta certa? Talvez seja preciso mirar o vaso com maior atenção, tentando enxergar naquilo que se vê o que não é para ser visto. Com efeito, se a ânfora for observada com melhor empenho, o que se poderá notar é que a tinta negra não recebeu, de fato, nenhum outro tipo de pigmento sobre ela. Na verdade, a técnica adotada neste artesanato fino consiste em cobrir a superfície da ânfora com um verniz negro, deixando o espaço da figura com o mesmo tom escarlate da argila.

Então, os arabescos que encimam o jarro, o homem que se sustenta na vareta, o monstro poderoso que espera a resposta e a mulher que alguma coisa parece esperar são, é o que agora se pode jurar, não o preenchimento, mas a própria falta do verniz escuro. É a partir da ausência da tinta negra, pelas lacunas que ela deixou na argila vermelha, que vislumbramos encontrar as figuras que simbolizam um dos mitos mais caros da antigüidade grega. Uma lenda cujos espaços, vazios ou não, foram se preenchendo ao longo de mais de três mil anos, chegando ao século XXI de nossa história tão consistente e viva como aparenta estar a ânfora que podemos observar virtualmente, pela internet, e, de perto, num museu de uma cidade italiana. Assim, poder-se-ia mesmo afirmar que é pela falta que talvez possamos vislumbrar o dito, o próprio mito.

As figuras que, por meio da ausência de tinta, encontram-se presentes no jarro são significantes básicos do mito de Édipo. E se a esfinge, Jocasta e o próprio Édipo possuem atualmente um vigor semelhante, ou talvez maior, do que no dia mesmo em que o vaso foi manufaturado, isto se deve certamente a uma obra literária: o Oidípous Týrannos, de Sófocles.

sábado, agosto 12, 2006

O homem, a luta e a eternidade

Murilo Mendes

Adivinho nos planos da consciência

dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos
mundo de planetas em fogo
vertigem
desequilíbrio de forças,
matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!

Um dia a morte devolverá meu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo.

quinta-feira, julho 20, 2006

Bárbara 2



Vandré Silveira como Bárbara! Não ficou um show?
Still da Bianca Aun.
Mais informações e fotos:
http://www.odeoncompanhiateatral.com.br/

domingo, julho 16, 2006

FIT BH

Minha peça "Quando você não está no céu" volta em cartaz no Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte. Desde logo aviso: são espetáculos já vendidos para a Prefeitura de BH. Por isto, não há cortesias. Os ingressos para o FIT começam a ser vendidos amanhã. Assim, vou enfrentar fila e comprar um pra ver "Por Elise", da genial Grace Passô. Confira abaixo os datas de apresentação e a ficha técnica de "Quando você não está no céu".
Evento: FIT-BH
Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte.
01/08 - 21h
02/08 - 22h
03/08 - 21h
Local: Odeon Espaço Cultural - Rua Tenente Brito Melo, 254, Barro Preto.

Sinopse:
Um doutor guiado por um sertanejo pelos infernos contemporâneos. Em “Quando você não está no céu”, não temos nem o inferno dantesco nem o sertão de Guimarães Rosa. Contamos com a mistura, a mescla de tudo isso que leva o homem contemporâneo a não conseguir identificar nem mesmo seu lugar no mundo. Com suas identidades perdidas e partidas, ele tenta saber, buscando o conhecimento e empreendendo ações que se mostram, desde o início, sem sentido. Talvez porque, também desde o início, nossa dor trágica se resuma no fato de que nunca poderemos realmente saber quem somos e em que lugar estamos.

Ficha Técnica:
Autor. Edmundo de Novaes Gomes
Direção Geral. Carlos Gradim
Elenco. Geraldo Peninha, Cynthia Paulino, Marcelo do Vale, Rafael Neumayr, Domingos Gonzaga, Renata Cabral, Isaque Ribeiro, Marina Arthuzzi, Wilma Henriques.
Direção Musical. Morris Picciotto
Cenografia e Figurinos. André Cortez
Criação de Luz. Telma Fernandes
Preparação Corporal de Cena. Fernanda Vianna
Direção Vocal de Texto. Babaya
Oficina de Preparação Corporal para a Cena. Mônica Ribeiro
Caracterização. Regina Maia
Assistente de Figurinos. Cynthia Paulino
Assessoria de Objetos Cênicos. Fernanda Ocanto
Assistente de Iluminação. Gil Esper
Projeto Gráfico. 2: Pontos Comunicação
Duração. 1h15
Classificação. 16 anos
Mais informações: http://www.odeoncompanhiateatral.com.br/

sexta-feira, julho 14, 2006

Bárbara

O conto publicado no post abaixo deu origem ao curta-metragem "Bárbara", dirigido por Carlos Gradim e protagonizado por Vandré Silveira. Os dois estão na foto acima. A seguir, matéria e ficha-técnica da produção, publicadas no site da Odeon: http://www.odeoncompanhiateatral.com.br.

Novo curta da Odeon!

Dias 7, 8 e 9 de julho foi filmado o curta "Bárbara", em película 35mm, segunda experiência cinematográfica da Odeon. Aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura, "Bárbara" pretende levar ao público não só a reflexão sobre temas extremamente oportunos e contemporâneos, mas também a discussão democrática em vários âmbitos da socieade. A relação do corpo na sociedade atual, a falta de informação que gera o preconceito e a sexualidade são focos deste projeto. É na aproximação das relações humanas cotidianas que o filme pretende levar o espectador a reconhecer e respeitar as diferenças.

O roteiro de Glaura Cardoso Vale tem como referência o conto "E a situação, como é que está?", do premiado escritor mineiro Edmundo de Novaes Gomes. Bárbara, no leito de morte do seu pai, recorda-se dos desdobramentos do seu último encontro com ele, das dificuldades da infância e do desentendimento com os pais que a expulsaram de casa. As cenas se intercalam em um quarto de hotel e um quarto de hospital, o que permite um jogo entre a atualidade da história ficcional e a lembrança do reencontro de Bárbara com seu pai. Os conflitos que rodeiam a personagem surgem da relação de Bárbara com seu corpo, a partir da reflexão de que o corpo é uma mídia primária, através da qual o Homem se veste, se inventa e se transforma, como forma de expressão.

Ficha Técnica:
Roteiro. Glaura Cardoso Vale
Inspirado no conto de Edmundo de Novaes Gomes
Direção. Carlos Gradim
Assistência de Direção. Felipe Fernandes
Preparação de atores. Yara de Novaes

Elenco:
Bárbara. Vandré Silveira
Pai da Bárbara. Helvécio Guimarães
Amigo do Pai. Walmir José
Filha do Amigo. Luísa Rosa
Cliente. Geraldo Peninha
Direção de Fotografia. Luís Abramo
Câmera. Bruno Prentz
2º Assistente de Câmera. Álvaro Archanjo
Vídeo Assist. Lucas Pinheiro
Still. Bianca Aun
Eletricista. Antônio Machado
Assistência Elétrica e Maquinária. Luciano
2º Assistente Elétrica e Maquinária. Cristiano
Direção de Produção e Produção Executiva. Gisela Mangeon
Assistente de Produção. Luísa Rosa
Assistente Administrativo. Guilherme Marinheiro
Direção de Arte. Carla Bastos
Assistente de Arte. Tatiana Braga
Cenotécnico. Fala Fina
Concepção Bárbara. Ronye Peterson
Figurino. Alex Dário
Maquiagem. Andréia Maia
Técnico de Som. Gustavo Campos
Microfonista. Walfried

sábado, junho 24, 2006

Sobre várias coisinhas

Ainda ontem, fui surpreendido pela matéria que o querido Fabrício Marques, editor do Impressão, pediu que fizessem sobre mim para este que é o jornal laboratório do Curso de Jornalismo do UNI-BH, onde, é preciso olhar minha carteira de trabalho, desde março de 1990, dou aulas.

Fiz o esforço porque, em uma página inteira do periódico que mistura texto interpretativo, perfil e crítica, deparei com a informação de que estou nessa instituição há 23 anos. Tal fato me pareceu improvável e, por isso, fui fazer aquilo que os jornalistas devemos sempre fazer: checar. Então, descobri a confusão feita pela repórter: ela tomou, talvez, a idade em que entrei para esse que é certamente o lugar que mais felicidades me deu no trabalho como o tempo em que me encontro na casa.

Mas, ora bolas, também não pode ser isso. Em março de 1990, eu tinha 24 anos, e não 23. Maçada! Deixa pra lá. Afinal, não é sobre isso que estou escrevendo agora. Mas também não deixa de ser. O que quero falar são dos erros que fui encontrando pela matéria. Além do numerinho, outros detalhezinhos me incomodaram: o primeiro, o título de minha dissertação de mestrado em literatura, que na verdade é “Édipo – Acasos de uma leitura heterodoxa”; o outro, o fato da repórter colocar que me casei oito vezes.

Sim, foi isso, ao lado do número 23, o que mais me incomodou na matéria. Devo ter dito: -Ah! Já me casei umas oito vezes! E isso foi o bastante para a garota levar ao pé da letra uma ironia que me é natural.

Não. Não me casei oito vezes. Não sou nenhum herói grego para suportar tantas peripécias. Mas as vezes que me casei me serviram, e me servem, para mudar não as quantidades de meus mundos, mas a qualidade deles. Às vezes, para melhor; outras, para pior.

Mas também não é sobre isto que quero falar. Quero dizer sobre meu trabalho como revisor dos textos dos alunos de jornalismo. Depois de tanto tempo na área do copy-desk, tenho descoberto que o único que pode fazer com que uma pessoa faça seu trabalho de modo minimamente correto, sem trocar uns números por outros e sem separar sujeitos de verbos com vírgulas, é o próprio ser que escreve.

Só ele, em sua busca desesperada pelo acerto, pode produzir um texto correto. E escrevo aqui correto não no sentido do certo, do exato, mas no sentido de que o que importa é que sejamos verdadeiros com nosso íntimo, com aquilo que realmente somos. Sim. Acredito que o texto é nada mais do que o espelho daquilo que levamos dentro, com todas as belezas, mazelas, sordidezes, vaidades, porcarias, encantos, seduções. Por isso, quando escrevemos, nos escrevemos.

É por isso que não adiantam professores, gramáticas e manuais para um ser que parece já nascer com a pesada e intangível vocação de macular a virgindade do papel com aquilo que ele próprio e o próprio mundo levam em seu mais íntimo íntimo. E isso, ao contrário do que soem pensar os desavisados, não é nada glamouroso. É terrível e trepidante.

Assim que fico feliz quando vejo uma página inteira do Impressão falando de mim. Vaidade pura, é claro. Mas a felicidade também vem pelo prazer de soborear como tudo aquilo que falei até agora pode ser resumido no texto de Carlos Alberto Rocha, estudante de jornalismo com quem tive o prazer de conviver no primeiro semestre de 2006. Em poucas palavras redigidas numa crítica de meu livro Falar, Carlos Alberto parece ter descoberto o que Buñuel sempre soube: que nosso filme é sempre o mesmo. Não importa se o cenário é uma página de romance, um palco de teatro ou uma sala de aula. Para quem sabe que criar é a arte de se criar. A vida é aquilo que realmente interessa. E a morte também.

Fiquem, então, com o texto de Carlos Alberto Rocha.

Convenções Coletivas

Carlos Alberto Rocha

Convenção coletiva foi a primeira expressão que me ocorreu quando comecei a ler Falar - Um Romance de Amor e Ódio, de Edmundo Novaes (Editora Nova Prova, 2003, 199 páginas). Algo me prenunciava um tratado sobre as convenções sociais que todos nós engolimos pelo bem da tradição, da família e, porque não, da propriedade. Nada a ver com o texto ou com o conteúdo, tudo a ver com os velhos princípios das hipocrisias humanas, originadas em tempos imemoriais.

Falar é o desabafo de Ana, uma figura inteligente, frágil e nada sincera, que se deixa ferir pela vida até o ponto da ruptura. É somente isto, mas que nos surge de forma contundente, como uma limalha no olho. Enquanto assistimos ao aço sendo esmerilhado, soltando fulgurantes limalhas incandescentes, somos felizes. Até que uma delas nos fira a vista.

Falar nos fere. Não é um romance agradável, dos que lemos com um sorriso idiota nos lábios. Por tanta since­ridade e compromisso com o desabafo de uma alma que se viu, como todos nós, submissa às convenções da vida coletiva, nos ofende. Sobre o tema recorrente da contraposição amor e ódio, que se desenvolve em lances de violência, Novaes construiu uma trama que conduz o leitor à crescente surpresa diante de fatos obtusos. Uma leitura indigesta para os estômagos sensíveis, mas inacreditavelmente necessária.

O autor de Falar é daqueles sujeitos de carreira plural. Jornalista, publicitário, professor universitário, escritor e dramaturgo, com incursões pelo cinema. Contudo, a despeito das múltiplas atuações, é possível notar semelhanças entre algumas elas. São as mesmas intempéries que surgem no livro em forma de violência as que fazem chover contundentes lições em sala de aula. Em 2003, Falar recebeu o Prêmio Casa de Cultura Mário Quintana, que rendeu a sua primeira e única edição, já esgotada. Como o livro não tem vocação para best seller, não há notícia sobre uma reedição. Mas a obra é como um daqueles pratos muito temperados, de difícil digestão, que estamos sempre dispostos a repetir e a divulgar.
-Jornal Impressão, junho de 2006

quinta-feira, maio 04, 2006

Desconto pra peça

vale desconto: Cidadão Cão

Muita gente me pede desconto pro espetáculo "Quando você não está no céu" e fica com raiva quando digo que não tenho mais o folheto. Acham que é onda minha. Mas agora o Guilherme Marinheiro, assessor de comunicação da Odeon, resolveu este problema. Segundo ele, basta que você imprima a imagem aí de cima, junto com legenda de rodapé, e apresente na bilheteria. Ela dará desconto de R$ 6, não cumulativo.
Quanto aos que me pedem cortesias, devo lembrar duas coisas: primeira, a proibição do diretor Carlos Gradim de qualquer espécie de "ingresso gratis"; depois, um caso que aconteceu com Cristina Vilaça. Esta atriz ia sempre a um café de um amigo dela. Um dia, tal amigo lhe pediu um cortesia pra peça que ela estava fazendo. A atriz, na maior dignidade, olhou pra cara do amigo e disse: -Olha, meu caro, eu sempre venho aqui no seu bistrô e nunca lhe pedi um "cafezinho grátis".
Fico com Cristina: compre seu ingresso, com desconto, e vá ver o resultado do trabalho de mais de vinte pessoas no espetáculo "Quando você não está no céu".

Livro Aberto, na Rede Minas

Às vezes, o poder da coisa escrita surpreende. O texto que vem logo abaixo me fez dar boas risadas. Até meu cunhado achou que a entrevista e o esporro tinham mesmo acontecido. Como é jornalista, já queria detalhes: o programa, nome e CPF do entrevistador etc. Então, por favor, não pensem que o tal fulano é o querido Daniel Antônio que, no próximo domingo, leva seu programa “Livro Aberto”, na Rede Minas, comigo. Não: o Daniel, a quem tive a honra de dar aulas, é sujeito dos mais educados, inteligentes e de um carinho que transborda pelo olhar. Posso mesmo dizer que, se os papéis se invertessem e ele fosse o professor, faria mesuras refinadíssimas para me dizer que eu, Edmundo, agora o aluno, fiz um grande nariz de cera nesta notinha. Então, vamos ao lead: Programa Livro Aberto, apresentado por Daniel Antônio, com Edmundo de Novaes Gomes, domingo, 7 de maio, às 17h30, na Rede Minas. Não percam!

sábado, abril 29, 2006

Gênesis

No que você falou foi que eu percebi. Estávamos lá eu e ele naquele programa da TV. Eu e ele falando de como nossa parceria tinha dado certo. Pois é, você veja só, my friend. Muitas coisas acontecidas: filmes, peças de teatro, até uma convivenciazinha de um ano e meio vivendo juntinhos e sem brigar sequer uma vez. Não é uma coisa pra se comemorar? Não é mesmo pra você ir no talk show e falar, falar, falar? É sim. Não me diga que não é porque é. As coisas aí fora estão brutas, meu chapa. Desde a criação. E a tendência inevitável é piorar. Você me diz d’ont-worry-be-happy mas eu não posso desviar da minha frente a nuvem de pó que vem vindo, o redemoinho levantando tudo, os bichos do fundo do mar olhando horrorosos pra gente. Não posso. Categoricamente que não posso. Por isso é que tínhamos sim que ir naquela televisão e falar pro mundo inteiro Olha aqui, ó. Olha aqui. Aqui estão duas pessoas que nunca brigaram na vida. Já fizeram não sei quantos filmes, não sei quantos teatros, já ficaram bêbados e tropeçando e nunca brigaram. Nem na vez que eu mijei do lado da cama dele achando que estava no banheiro nós nunca não brigamos. Por isso, mundo; por isso, pessoas, nós estamos aqui para dizer pra você. Nós estamos aqui pra dizer tudo isso pra vocês. Não importa o que vocês sejam, mas nós estamos aqui pra dizer tudo isso pra vocês.

E estávamos lá dizendo tudo aquilo e comemorando mais um êxito dessa parceria formidável quando o cara da entrevista resolveu fazer uma brincadeirinha meio porca com a gente. O fato é que o tal sujeito resolveu fazer uma alusão ao fato de que ele era viado e eu ser muito macho. O sujeito resolveu e falou assim Quem é a criatura e quem é o criador? E continuou Quem aqui nasceu da costela de quem?

Ora, veja bem. Veja muito bem mesmo se eu tenho ou não que ficar emputecido. O que aquele famoso queria dar a entender? O babaca queria mesmo era sugerir que um dos dois ali era mulherzinha, uma Eva gerada de Adão, brincando assim com as sagradas escrituras e ainda mais com o livro de Gênesis, coisa que não se faz. Coisa que categoricamente não se faz. Com viadagem não se brinca. Ainda mais com a viadagem do outro. É preciso respeitar. Não é porque você tem um programa de TV que pode sair fazendo e acontecendo em cima das pessoas. Pode? Não pode. Mas até que foi muito bom ele ter falado assim essa bobagem às custas de Adão e de sua costela genética porque me deu uma idéia. Uma idéia mais filosófica que religiosa. E eu não tive outro remédio a não ser colocar tudo pra fora ali mesmo.

Na verdade, foi mesmo um desabafo. O que eu queria era mostrar pro mundo que muitas vezes as coisas não são o que parecem e que pro mundo continuar nesta debacle só mesmo por causa de uns babacas feito aquele que davam coisas a entender sem nunca entender das coisas. Por isso foi que eu disse Olha aqui, meu chapa. Você ainda está achando que o mundo foi feito de uma costela de Adão mas não foi não. E o cara: Como assim? Eu não falei nada disso. E eu: Falou sim. Você falou sim. Mas eu não vou brigar agora com essas coisas. Só vou mesmo explicar é que pra uns babacas como você o mundo foi feito mesmo é do pinto de Adão. Não é isso? Do caralho, do pau, do cacete, da jeba, do boticão. Você entendeu? Entendeu que o mundo pra uns é feito de uma coisa e pra outros de outra? Que pra você ele vem do toco e pra mim ele talvez nasça da cheirosinha, da perfeita? Você entendeu isso? Se não compreendeu, eu posso continuar explicando ou me levantar daqui e dar uns tabefes na sua cara. Você quer? Você quer que eu faça isso? Anda, me responde logo. Mas o sujeito não queria e a partir daquele momento, com a clemência e o entendimento e a aceitação do todo poderoso, daquele que julga e governa, a criação tinha sido reinaugurada. Especula especulorum.

O reino passava a ser nascido de uma jeba, ou de uma cheirosinha.

segunda-feira, abril 24, 2006

Bem longe do céu

Montagem da Odeon, inspirada em Dante e Guimarães Rosa, faz reflexões sobre doenças da alma
Walter Sebastião
Um sertanejo guiando um médico por lugares que têm qualquer coisa de infernos contemporâneos. É o espetáculo Quando você não está no céu, da Odeon Companhia Teatral, que está sendo apresentado até 28 de maio, no Sede Odeon. Inspirado na Divina comédia, do poeta italiano Dante Alighieri (1261-1321), e no romance Grande sertão: veredas, do escritor brasileiro João Guimarâes Rosa (1908-1967), quer ser uma reflexão sobre doenças, especialmente as da alma, e sobre a perda de valores na sociedade contemporânea. Em cena vão estar antigos e os novos pecados capitais: a luxúria e a gula e também a perda de compaixão e o individualismo.
“Estamos propondo uma reflexão coletiva sobre temas que afetam a todos os seres humanos”, afirma Carlos Gradim, de 38 anos, diretor da montagem. “Queremos que nossos sentimentos vibrem, reverberem e se transformem num momento de consciência necessário a ações de transformação”, acrescenta. Avisa que se trata de montagem “não realista, simbólica e até ritualística”, que dá prosseguimento à pesquisa do grupo sobre uso de espaços não-convencionais. Os atores, por sua vez, trocam “a hiperinterpretação” por exploração das sensações reais dos atores diante de certas situações.“Não temos o inferno dantesco nem o sertão de Guimarães Rosa. Contamos com mistura que leva o homem contemporâneo a não conseguir identificar nem mesmo seu lugar no mundo. Com suas identidades perdidas e partidas, tenta-se saber deste lugar, buscando o conhecimento e empreendendo ações. Mas ações e conhecimento se mostram, desde o início, sem sentido. Talvez porque, também desde o início, nossa dor trágica se resuma no fato de que nunca poderemos realmente saber quem somos e em que lugar estamos”, observa Edmundo Novaes Gomes, autor do texto do espetáculo e aquele que sugeriu levar o escritor mineiro para pesquisa, originalmente, voltada para criação de versão contemporânea do inferno da Divina comédia.
Outras tantas pesquisas, sobre o mito, como conta Carlos Gradim, trouxeram mais um motivo para a peça: a questão da crise dos heróis (“temos poucos heróis no sentido do ser humano que passa pela vida avançando por etapas e, assim, compreendendo o sentido da existência”). Como explica, tudo na peça acontece em lugar árido onde habitam seres atormentados por dúvidas e incertezas. “Na minha opinião, o ser humano teve uma evolução científica e tecnológica enorme, mas, com relação às questões da alma, regrediu. Estamos nos tornando animais”, afirma, criticando vivências autocentradas, a exacerbação da violência e o medo do outro, que passa a ser visto como adversário. “Não estamos, definitivamente, no céu”, garante. A montagem foi selecionada para a programação do Fit/BH, de 2006.
Quando você não está no céu
Espetáculo com a Odeon Companhia Teatral. Sexta e Sábado, às 21h; domingo, às 19h, na Sede Odeon (Rua Tenente Brito Melo, 254, Barro Preto, 31.3295-4264). Até 28 de maio. Ingresso: R$16 (inteira) e R$8 (meia). Classificação: 16 anos
-Portal UAI - 31 de março de 2006

quinta-feira, abril 20, 2006

Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz

Minha adaptação livre de "Of human bondage", de Somerset Maughan, acaba de ganhar o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz. A montagem será feita pela Odeon Companhia Teatral, direção de meu irmão Carlos Gradim. É quase um sonho ver esse texto montado. A obra de Maughan me empolga muito e colocar mil páginas dentro de uma hora e meia foi um desafio. A foto acima é de Bette Davis e Leslie Howard, na adaptação para o cinema feita por John Cromwell, em 1934. Abaixo, um pequeno diálogo entre Mildred e Philip que escrevi, usando meus poderes escatológicos de enxergar, na rua, bichos que só existem no coração humano.

Philip na penumbra, num canto do palco. Mildred entra com outro vestido.

Philip
Mildred. Mildred.

Mildred
Que susto. Pensei que fosse um rato.

Philip
Um rato?

Mildred
É. Um rato. O que é que tem ser um rato? Este lugar anda infestado deles.

Philip
Nada. Mas por que um rato?

Mildred
Ora, por nada. Foi só o que me veio à cabeça. Com o senhor aí dizendo: -Mildred, Mildred. Parece mais um rato, chiando.

Philip
Não me trate assim, Mildred.

Mildred
E como pretende o senhor ser tratado? Como um bichano, um gato siamês?

Philip
Olha, Mildred, eu...

Mildred
O senhor, nada. Preciso ir embora. Tenho mais o que fazer com meu tempo...

Philip
Não é isso... Só queria dizer... Só queria dizer o que já te disse: que você não precisa me chamar de senhor. Você sabe... Eu acredito que já cheguei mesmo a lhe dizer que todas essas coisas podem ser desnecessárias entre nós.

Mildred
Desnecessário? Então, vou chamá-lo como? O senhor é ou não um verdadeiro gentleman?
Rindo.
E, aos gentlemen, é preciso tratar sempre de senhor.

Philip
Faça então como quiser, Mildred.

Mildred
Pois é isso mesmo o que farei. E vou-me embora. Como já disse, tenho mais o que fazer do que ficar parada numa rua escura conversando... conversando...
Rindo, como se tivesse tido uma boa idéia.
...com um rato.

quinta-feira, abril 13, 2006

Haiku

Não fui à estréia de "Quando você não está no céu". Mas, já há algum tempo, numa mesa de botequim, fiz um haiku (ou haikai, levando-se na devida conta o pudor brasileiro que traduziu a sonoridade japonesa de modo distinto, por motivos óbvios) de como me parecem ser as estréias de espetáculos por esse mundo afora. Segue.

esta é a estréia
um olho no palco
outro na platéia

domingo, março 19, 2006

"Quando você não está no céu" e a contemporaneidade líquida

“O inferno é mesmo aqui”. É com esta idéia que o espetáculo “Quando você não está no céu”, uma montagem da Odeon Companhia Teatral (leia-se “Ricardo III”, “Amor e restos Humanos”, “O Coordenador” e “A falecida”), parece encarar a contemporaneidade. A exemplo do que acontece com as idéias do sociólogo polonês, naturalizado britânico, Zygmund Bauman, a modernidade, que pode ser quase tocada neste espetáculo escrito por Edmundo de Novaes Gomes, com direção de Carlos Gradim, é algo líquido, cujos limites se evaporam ou se solidificam e que não nos oferece a oportunidade sequer de saber onde estamos e de que matéria somos feitos.

No entanto, se não sabemos onde estamos, o texto de Novaes e a direção de Gradim pelo menos pretendem saber onde não estamos. E, a julgar pela ação mostrada no espetáculo que estréia no próximo 30 de março, no Espaço Odeon de Cultura (Tenente Brito Mello, 254, Barro Preto), nós, definitivamente, não estamos no céu. Mas também não se pode dizer que nos encontremos no inferno. Pelo menos no inferno de Dante, sabidamente um lugar criado a partir de um princípio ortodoxo e autoral de justiça.

A aposta do texto é, quem sabe?, mostrar que nosso lugar é mesmo aqui: um sertão quase roseano, que ajuda a compor cenas das quais participam personagens que povoam o universo desta modernidade líquida da qual Bauman fala. É por isso que podemos encontrar na barca de Caronte um doutor e um capiau que não falam o mesmo dialeto. Eles atravessam o Aqueronte para conhecer aquilo que talvez já tragam dentro de si: um mundo em que as identidades nunca podem ser alcançadas da maneira obcecada que pretende o sujeito contemporâneo.

Neste lugar que não é o céu, vamos encontrar prostitutas que são enterradas junto com o filho morto ao nascer, criaturas que devoram criancinhas, paralíticas que cantam Domenico Modugno, feras que acumulam lixo, santas nuas, drogadictos, suicidas. Assim, o que parece é que Novaes e Gradim colocam todos esses ingredientes num liquidificador para, depois de centrifugar à exaustão, apresentar ao público uma cena líquida. Uma cena que, na cabeça da platéia, tanto pode evaporar como se solidificar.

Em “Quando você não está no céu”, não temos o inferno dantesco nem o sertão de Guimarães Rosa. Contamos com a mistura, a mescla de tudo isso que leva o homem contemporâneo a não conseguir identificar nem mesmo seu lugar no mundo. Com suas identidades perdidas e partidas, ele tenta saber, buscando o conhecimento e empreendendo ações. Mas ações e conhecimento se mostram, desde o início, sem sentido. Talvez porque, também desde o início, nossa dor trágica se resuma no fato de que nunca poderemos realmente saber quem somos e em que lugar estamos.

Quando você não está no céu
-de quinta a domingo, às 21:00 horas
-Espaço Odeon de Cultura – Tenente Brito Mello, 254, Barro Preto

Texto
Edmundo de Novaes Gomes
Direção
Carlos Gradim
Cenário e figurino
André Cortez
Iluminação
Telma Fernandes
Direção musical
Morris Picciotto
Preparação vocal
Babaya
Preparação corporal
Fernanda Vianna
Elenco
Cynthia Paulino, Geraldo Peninha, Marcelo do Vale, Marina Arthuzzi,
Renata Cabral, Rafael Neumayr, Isaque Ribeiro e Domingos Gonzaga
Participação especial
Wilma Henriques

domingo, fevereiro 05, 2006

Reflexão N° 1

-Murilo Mendes

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
É a circulação e o movimento infinito.

Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

O que o senhor vê com os vossos olhos...... Eu vejo com os meus

A seguir, um trecho de meu texto Quando você não está no céu, em fase de montagem pela Odeon Companhia Teatral (direção de Carlos Gradim), que deve estrear em breve. O Capiau será interpretado por Geraldo Peninha. Trata-se, creio, de uma parte especial do diálogo entre o Doutor e o Capiau. Especial porque cito Dante e Rosa em ambigüidades.
Luz acontece. Doutor e capiau vêm andando. Param à beira de um abismo ao se deparar com uma bela vista.

Doutor
E aqui, o que é?

Capiau
As visões, dotorim. As visões.

Doutor
Nunca vi uma coisa assim. É mesmo obra Dele.

Capiau
Missassim. Missassim. E há algo que não seja Sua obra? Obra, ardil, ação Daquele que governa os altos e os baixos. Ação do Quem, do Cujo, do santificado pelo Outro.

Doutor
De quem você está falando, rapaz? Dizendo.

Capiau
Ora, de quem! Do Ele.

Doutor
Mas ele quem?

Capiau
De quem o dotorim crê que é?

Doutor
Dele. Do que criou esta paisagem maravilhosa.

Capiau
Maravilhosa, dotorim?

Doutor
Sim, maravilhosa! Ou você já viu algo maior e bonito? Beleza igual? Talvez até o paraíso. Já sei: está acostumado com tudo isso. É daqui, pertence ao lugar.

Capiau
Pertenço ao lugar ou o lugar me pertence? Anda, dotorim. Responde logo: Pertenço ao lugar ou o lugar me pertence?

Doutor
Veja, rapaz. As cores. A exuberância de paisagem. O indefinível.

Capiau
Missassim. Missassim, dotorim. O indefinível, as cores.

Doutor
Agora, acho que você está me entendendo.

Capiau
Pois já entendi desde mesmo muito antes, dotorim. Mas é o senhor mesmo quem tem que entender os significantes de sua voz. Ai aí, dotorim. Ai aí.

Doutor
O quê?

Capiau
Ai, então, dotorim. Onde o senhor vê umas cores, pode ser que outros vejam outras. As cores, o exuberante, o indefinível. O mundo se inventa a toda hora.

Doutor
Mas o quê? Vai lá. Anda logo. Estou muito cansado e quero descansar.
Já se sentando.
O que é que você quer dizer com isso?

Capiau
O dotorim já tá se espichando. Fatigas, não? Mas antes da folga, responda-me o senhor uma coisa.

Doutor, já se deitando e bocejando.

Capiau
O que o senhor vê?

Doutor
Ora, eu o que vejo são as paisagens ingentes, os Buritis-Altos, criatura de belezas, amor com amor. Lá embaixo, já vi. O rio com croas de areia, cada qual com seu nome. Nada se esconde de mim. Lá embaixinho, três croas e uma ilha. Ilha de terra, na parte de baixo, com grandes pedras e árvores, e suja de matinho, capim, o alecrim viscoso remolhando suas folhagens nágua. As belezas, rapaz. As vazantes.

Capiau
Pois então, dotorim. Onde o senhor vê as paisagens da terra, sabe o que vejo?

Doutor
Bocejando e já quase dormindo.
O quê, rapaz? O quê?

Capiau
Vejo um teatro. Uma platéia. Estamos na beira do abismo, dotorim. E, lá embaixo, só o que vejo são as gentes. As gentes e suas dores, seus vícios, seus pecados. As cores confundem, dotorim. E exuberância vige é dentro de cada um. O isto aqui foi Ele quem criou. Mas também sou eu. Em cada tapera lá embaixo, cada casa, cada rosto. O que o Senhor vê com os vossos olhos, dotorim, eu vejo com os meus. Mais tormentos e mais atormentados, aonde me mova ou volva minha aflita vista me surgem por todos os lados. Vejo só chuva. Eterna chuva, gélida e pesada que em monótono ritmo precipita. Grosso granizo, neve, água inquinada pelo ar tenebroso se reversa. Fede a terra por eles encharcada. Ai aí, dotorim. Ai aí.

Silêncio. O capiau vai até o doutor e vê que ele dormiu.

Capiau
Silenciosíssimo.
Psiu.
Psiu: Ele dormiu

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Servidão

A seguir, um bife da adaptação que fiz de Of Human Bondage, de W. Somerset Maughan, que será montada logo. O cartaz acima é do filme (lançamento em DVD?: eu não acho pra comprar) dirigido por John Cromwell, que tem no elenco Leslie Howard e a fantástica Bette Davis.

Philip
O que eu aprendi? Aprendi a olhar para as mãos das pessoas, coisa que nunca fazia antes. Aprendi a não olhar apenas para as casas e para as árvores, mas olhar para elas tendo o céu como fundo. E também aprendi que as sombras não são pretas: elas são coloridas. Pode parecer bobagem. Mas é muito. É até demais para quem teve que crescer sem ter ao lado aquilo que a maioria dos seres humanos, até os seres humanos mais sujos, merecem ter: um amor desinteressado. Quando disse isso pro meu tio, depois do enterro da minha tia, ele olhou pra mim e falou: - “Você acha que é muito esperto, não é”. Foram eles que me criaram, mas não, acho que não era nada disso. Palavra de honra que, se eu não fosse uma pessoa volúvel, já teria me enforcado há muito tempo. É. Não era nada disso. Creio que as coisas são do jeito que um poeta bêbado e fracassado me disse certa vez. O mundo está aqui para, a cada dia que passa, ser visto de uma maneira diferente. Se somos artistas e conseguimos impor nossa visão ao mundo, se conseguimos mostrar que Cristo é amarelo, ou que as sombras são coloridas, as pessoas vêm e nos dizem: - “Puxa, mas você é mesmo genial”! Mas, se não conseguimos nada disso, aquela mesma pessoa que ia te cumprimentar pelo fato do seu Cristo ser amarelo vai te ignorar. É isso. Mas nós, por dentro, continuamos do mesmo jeito. O que é um artista? É um sujeito como qualquer outro. Cheio de ilusões, de fraquezas, paixões, ódio, amor. Só que um artista... ele não dá conta de viver sem aquilo que faz. Por ele, o mundo pode acabar, (aponta para o caixão que subiu) que ele não se importa. Vai continuar pintando seu quadro, escrevendo seu livrinho. Mesmo que a maioria das pessoas não gaste nem trinta segundos na frente desse quadro, ou que ninguém leia as bobagens que ele escreveu. Ele vai continuar escrevendo, pintando, atuando, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. O artista, um artista verdadeiro, não sabe se é genial ou se é medíocre, porque ele não se importa com isso. Tanto faz. É que ele não vive sem aquilo que faz. É por isso que eu sou volúvel. E é porque sou volúvel que desisti daquela idéia de ser artista. Percebi que eu era medíocre. E, se eu era medíocre, então, não podia ser um artista. Assim, desisti. Até meu tio, que quando eu disse que queria ser artista olhou pra mim e resmungou: - “Olha, Philip, isso nunca deu futuro a ninguém”! Pois até meu tio achou ruim comigo: - “Dá pra perceber que lhe falta firmeza, que você nunca vai ser nada na vida. Também, com esse pé”. Meu tio estava zangado comigo por eu ter percebido que eu era medíocre e não querer ser mais um artista. Por isso falou do meu pé. Todo mundo, quando se zanga comigo, lembra-se do meu pé torto. Como se isso fosse novidade pra mim. Mas eu não ligo: continuo com minha máxima. E sabe qual é minha máxima? “Segue teus instintos levando na devida conta o guarda da esquina”. Isso não é uma grande verdade? Então, não liguei pro que meu tio disse e saí de cena, arrastando meu pé eqüino.

Escrita Infernal

Maria Lutterbach

Foi tardiamente que o escritor Edmundo de Novaes Gomes descobriu que ia morrer.

Não é que ele fechasse os olhos para a inevitabilidade do fim, mas, consumido pelo trabalho como publicitário, jornalista e, depois, professor, demorou um pouco a se lembrar que a morte chegaria um dia e que era tempo de fazer alguma coisa para si.

A tal “coisa” foi o livro “Falar”, “uma novela chata e pesada”, na descrição de Edmundo, que ganhou, em 2003, o Prêmio Casa de Cultura Mario Quintana, de Porto Alegre.
Depois de adaptar “Noites Brancas”, de Dostoievski, que foi para o teatro sob direção de Yara de Novaes, sua irmã, Edmundo assina agora um texto que tem como tema o inferno e que já está nas mãos do diretor Carlos Greradim para ganhar os palcos.
Desandou a escrever e nem pensa em parar. Relendo o texto sobre o inferno – que ainda não tem nome –, o autor percebeu algo que lhe havia escapado no processo de escrita.
“Vi que a minha grande preocupação ali diz respeito à adolescência porque meu filho, que está fazendo 16 anos hoje (ontem) está morando comigo. Pela minha insegurança em relação a isso, coloquei no texto drogas, um adolescente que se mata, uma paraplégica que sofre um acidente de carro. Porque, na realidade, quando escreve, você está mostrando sua alma”, diz.
A princípio com a idéia de se mirar no inferno da “Divina Comédia” de Dante para desenvolver seu texto, ele entendeu que tinha mais a dizer a respeito do inferno que paira entre nós, na terra, do que sobre aquele que estaria à espera dos pecadores no além.
“As pessoas ficam achando que o inferno é um lugar ruim, mas não é. O inferno é um lugar de muita justiça. O inferno do Dante é de uma justiça terrível, o meu não porque tem muita sacanagem, muita putaria. O inferno de Dante está debaixo de Jerusalém e o meu inferno fica na Terra. São algumas cenas que você vê acontecendo”, conta.
Se a princípio o texto seria baseado em Dante, depois se transformou em um inferno próprio do escritor: “A composição de personagens lembra Dante, mas lembra também Guimarães Rosa. Eu coloco um médico que está visitando o sertão, com um capiau do lado. Você pode imaginar que é Dante e Virgílio, mas também pode ser o Guimarães Rosa e o Manuelzão. O cenário do sertão é um cenário infernal”.
De frente
Com uma postura pouco condescendente, Edmundo de Novaes Gomes não enxerga grandes movimentos na literatura mineira contemporânea: “Belo Horizonte é uma farsa nisso, sempre foi. As pessoas, para escrever, precisam sair daqui”. E ele, que acha uma maravilha morar no miolo da avenida Afonso Pena, diz que ainda sai.
“Ainda vou morar na avenida Nossa Senhora de Copacabana, no meio da muvuca. Eu gosto de gás carbônico”. Naquilo que escreve, não contemporiza e diz na lata o que tem que dizer, ainda que ofenda. Na opinião do autor, registrar no papel o que está à nossa volta faz as dores do mundo parecerem mais graves.
“A gente passa o tempo todo vendo pessoas com fome, pessoas traindo umas às outras. No ‘Falar’, as pessoas ficam ‘absurdadas’ com aquilo que acontece ali, de uma mulher querer matar um ex-marido, mas isso acontece todo dia com a gente. Estamos cercados de pessoas que vivem mal, de casais que são inteiramente incongruentes, sacanas uns com os outros e a gente acha que é tudo normal. Mas se você colocar isso na literatura, aí dá merda”.
Ciente de que agride ao expor suas observações em palavras, Edmundo reafirma que não delata nada a mais do que aquilo que já está exposto:
“No livro ‘Por Onde Andam Meus Sapatinhos’ (seu segundo livro infanto-juvenil que deve ser lançado no ano que vem), tem um capítulo em que um menino da favela não entrega um papelote de cocaína e leva um tiro na mão. Eu estava numa roda de pessoas que fazem mestrado e doutorado, e elas falaram que era uma literatura infantil by Edmundo. E aí eu saquei como a gente é falso e hipócrita. As pessoas se sentem muito agredidas com a forma que eu escrevo e algumas falam que sou pornográfico. Mas sou uma pessoa careta, trabalho de sol a lua e até parei de beber”.
Revolução? “Não, é porque eu não quero morrer”.
-Jornal "O Tempo", Sexta-feira, 26 de agosto de 2005