sábado, novembro 15, 2008

Yes. Destruiria esse sujeito. Passava um trator em cima. Um caminhão indo e vindo, indo e vindo, devagarinho, rodando por cima da sua cabeça dele até a coisa virar uma plasta, um pus. Merda! O que você quer, cacete? Vou engrossar a voz e falar bem macho que é pra você escutar e eu não ficar devendo O que você quer, caralho? O que você quer, seu merda? Quer porra? Vou acelerar aqui a coisa e você vai ver como daqui a pouco ela esguicha farta e densa, exuberante, fértil até. Porra sem hormônios. Um dilúvio de porra, seu sacana, que era o que você merecia engolir até sufocar. Um dilúvio de porra fazendo você se engasgar e lembrar quando encostava a perna na minha, em conchinhas.

Você não se lembra, seu puto. Você não se lembra mas eu me lembro muito bem do seu pau ficando duro, do seu pau ficando duro e encostando na minha bundinha e aí, agora, outro dia, sabe, outro dia veio um cliente, um cliente baixinho e sabe o que ele quis? Sabe, você sabe o que ele quis? Não. Você não sabe o que um sujeito que procura um travesti pode querer, sabe? Sabe? Me responda: você sabe? Você sabe o que leva um sujeito a deixar a mulher e o filho em casa pra vir aqui gozar no meu pau e nos meus peitos? Não. Você nem imagina, seu punheteiro. Pois esse cliente veio e me pagou antes, pagou uma noite inteira, e aí o único que ele queria era dormir. Mas queria dormir de conchinha. Não de qualquer jeito. Assim de conchinha, como você fingia que dormia comigo. Aí, então, com o cliente de bundinha arrebitada, aconteceu do jeito que devia acontecer com você. Ou não era assim que acontecia com a gente?

Ai, meu Deus! Eu estou ficando louco, louca, meu Deus! Tudo vem e volta e vem como antes e agora aquele sujeito ali e eu e ele de conchinha e você e eu de conchinha e aí o meu pau começa a subir e eu não respeito o desejo do meu cliente, eu não respeito o desejo dele e, então, Toma, seu puto, não vem me enganar. Que história é essa de pagar a noite inteira e dizer que só quer dormir de conchinha com um travesti? Quer porra nenhuma, seu veado. Você quer é essa porra que eu vou te dar agora, seu sujeito, sem cuspe nem nada. Esse meu cacete duro que eu vou enfiar aqui agora no seu rabo e você vai ter que agüentar até o fim, até as bolas. Isso. Tem que agüentar. Tem sim. Não vou tirar não senhor. Vou continuar bombando e bombando até esguichar muita porra densa e farta e fértil do meu cacete e não me venha com essa história de que você veio pra dormir, que pagou pra dormir de conchinha com um travesti, Sabe por quê? Porque isso simplesmente não existe. Não. Isso não existe. A única coisa que existe são estes meus peitos encostando nas suas costas e este meu pau ficando duro igual o dele ficava e agora que a jeba aqui já está estourada e doida eu vou te foder até o útero que você não tem e você vai ter que agüentar. Não interessa se você pagou foi pra dormir e fazer carinho. Que carinho o quê, seu veado. Isso mesmo: ve-a-do. Veado é o que você é e agora vai ter que sustentar o nicaô no rabo até a hora que eu cansar. E eu acho que não vou cansar tão cedo porque eu fico só lembrando dele e do pinto dele encostando na minha bundinha e você não sabe o que isso significa?

Não. Você não sabe. E nada disso interessa. O único que importa é aquilo que está acontecendo agora. Aquilo que aconteceu um dia e que vai se repetir e repetir e repetir. A encruzilhada dos três caminhos. Não é essa a encruzilhada dos três caminhos? É um pouquinho antes dela que eu paro e olho pra frente e vejo que você vem, seu puto, vem com seu cortejo e quer que eu saia do meu lugar pra te dar passagem. Mas eu não saio. Eu não saio, entendeu? Eu não vou sair. Agora que eu estou aqui neste hospital olhando pra você e que você está aí nessa encruzilhada sabe o que eu faço? Sabe? Sabe sim. Agora você sabe sim o que eu faço. Claro que sabe. Sabe sim porque o oráculo já te preveniu e você sabe. Ainda não acredita, mas sabe. Você sabe muito bem que agora eu vou tirar o cacete pra fora e vou dar na sua cabeça até te fazer ficar podre de tanta porrada, de tanta bombada, até sair muito sangue, uma quantidade enorme de sangue que vai manchar todos esses caminhos todos. Um sangue cego e louco, marcado e eterno. Um sangue cheio de perguntas e a primeira adivinha é esta O que é o que é que de manhã anda com quatro patas, de tarde com duas e à noite com três? Quer que eu responda, eu respondo. Pode deixar que eu respondo porque essa você não sabe.

Sou eu, seu puto: esta mulher linda e loira aqui na sua frente.

segunda-feira, setembro 15, 2008

Beleza e denúncia em estética teatral

"Quando você não está no céu", montagem teatral de Carlos Gradim do clarividente texto de Edmundo Novaes Gomes, é espetáculo intrigante que pôde ser visto no Teatro Odeon (rua Tenente Brito Melo, 254, no Barro Preto). A produção encontra-se relacionada ao Teatro do Absurdo, cujo auge se deu nos anos 1960, e com as obras existencialistas "En attendent Godot", ("Esperando Godot"), de Samuel Beckett, e "Huis Clos", ("Entre Quatro Paredes"), de Jean Paul Sartre. Há, ainda, referências verbo-estilísticas ao "Grande Sertão" de Rosa, nesta peça que é uma denúncia contra a maldade humana.

"Deixe a esperança de fora!" é uma das frases que representam o desalento das personagens fadadas a vivenciar eternamente os seus desânimos interiores, ao contrário do que ocorre em Guimarães Rosa, que redime a raça por meio da re-criação e do humour. As figuras dramáticas de Novaes estão ora imobilizadas em uma cadeira de rodas, ora carregam no colo ou comem um natimorto, ora são um mentor prazerosamente debochado (Geraldo Peninha, um dos destaques da encenação), ou um triste adolescente (revela-se Isaque Ribeiro, nevrálgico e sensível) que, antes de saltar ao abismo, bate na cabeça e grita "o inferno é aqui, ó!". Nesta frase, verifica-se um contraponto de Novaes à afirmação de Sartre que, há décadas, terminou o texto de "Entre quatro paredes", também sobre o encontro de seres no inferno, com a famosa afirmação: "L'enfer sont les autres!" (o inferno são os outros).

Na descida ao Inferno, um mentor sertanejo (Peninha) facilita-nos a compreensão da trama em flash-back, ao narrar os fatos a um médico (Marcelo do Vale) que, ao desejar e profanar mentalmente o corpo da mulher morta, comete o pecado da Cobiça. Desejosos de "passear" pelo andar subterrâneo da alma, os dois curiosos descem através de aberturas no cenário e vão ver o que ocorre lá no fundo...

Com sua "Quando você não está no céu", Edmundo dá continuidade ao posicionamento negativista presente em seu premiado livro "Falar", obra realista em linguagem coloquial e sem limitação vocabular alguma no que se refere a obscenidades, o que para muitos é um atrativo. Convivendo com a liberdade criativa, ambas as obras são possuidoras de infiltrações poéticas que funcionam como "releases" afetivos (relaxamentos) à secura e à solidão da fala solta em tempestade cerebral. De novo, o autor mineiro reitera sua crença na incapacidade humana de construir, preferindo o ser destruir-se e também ao Outro. Tanto o livro "Falar" quanto a peça "Quando você..." parecem afirmar que não há escapatória para a perdição. A morte da pureza é, assim, inevitável. O desprezo pela redenção através da espiritualidade e do altruísmo se impregna de cinismo e de audaciosas imagens que chocam, sendo um bom exemplo aqui a passagem de pedofilia na praia de "Falar", simbolicamente repetida na cena teatral em que, descendo do andar superior do cenário para o de baixo (ou da Terra explícita para o inferno da consciência), o frágil cadáver de uma criancinha desce numa corda e vai diretamente à goela do capeta assentado, que o devora aos nacos. A criatura demoníaca, aqui, é um horrível ser andrógino (Domingos Gonzaga) de seios agigantados.

Os "locos horrendus" característicos do barroco contrastam com a sutil direção musical de Morris Picciotto e com a clean projeção de luz baixa promovida à perfeição por Telma Fernandes. Desde a primeira cena, faz-se notar a competência técnica da montagem, destacando-se a cenografia e do figurino de André Cortez. Tudo converge ao cenário esquematizado em dois níveis, estrados de ferro fixos e vazados sobre os quais trafegam as mentes sucumbidas aos Pecados Capitais, em especial a Inveja, a Luxúria e a Gula. Portinholas nas laterais do palco deixam sair e entrar a Traição, o Engano e a Perfídia, mulheres sem cabelo e zumbis sem alma, espíritos desprovidos de si mesmos, monstros em total irreligião. Nossa Senhora e a Santa dos Olhos (magnífica, em plena nudez, está Renata Cabral) despem-se de seus delicados mantos de brilho, humanizando-se ao lado da mulher careca em cadeira de rodas (Cynthia Paulino). Impossibilitada da cintura para baixo, acompanhada por um violão, a aleijada canta "Dio come ti amo", balada de filme p&b que acalantou massas românticas há quase 50 anos. A cena extrapola e amplia o espetáculo, para além do texto triste do corajoso escritor Edmundo de Novaes. Nisto atua a direção e toda a Odeon CIA Teatral, com preparação corporal de Fernanda Vianna ressaltada pela iluminação que também incide sobre bem escolhidos objetos cênicos (Fernanda Ocanto).

Há de se mencionar, também, o efeito especial do filete de pano vermelho e fosforescente, que em dado instante cai de cima até o solo, representando, de modo majestoso, um derramamento de sangue na escuridão. No fechamento, surge a grande Wilma Henriques, em indumentária de prostíbulo e firmes seios à mostra. Sua personagem repete, agora na idade madura, a jovem prostituta (Renata Cabral), mãe do natimorto que, enterrado em seus braços, abrira a encenação nas profundezas da morada escura. Um movimento de velas, chamas e sons tirados de pratos de cerâmica remontam às paragens orientais do início da trama que podia acontecer lá longe ou aqui, no sertão brasileiro, ou ainda dentro do egocêntrico coração amargurado.

O espetáculo teve o apoio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e da TV Alterosa.

Texto de Rogério Zola Santiago, Mestre em Crítica pela Indiana University, USA.

sábado, setembro 06, 2008

E o jornalista, o que é? Digam agora e sem desculpas, sem avessos, sem culpas, sem pudores, sem ausências, sem pendências: o jornalista, o que é?

O jornalista é este meu vizinho, essa vizinha, que não mora no mesmo lugar que eu. Sim, talvez seja este meu vizinho que levantou cedo, colocou seu terno bacanudo e foi trabalhar numa grande empresa e ganhar um salário enorme e eu, quando vejo o jornalista bacanudo, fico pensando que eu podia ter sido jornalista, ter estudado muito-muito jornalismo e hoje não me preocupar com o ônibus cheio que vou pegar daqui a pouco e trabalhar sem pensar em palavrões como a inflação, a crise da macro-economia, as palavras bonitas e cheias, porque para mim a barriga é aquela que anda vazia, o boneco é aquele feito do Judas que a gente queima na hora que tem que queimar e o furo é esse oquinho que uma bala de 38 fez na testa daquele menino que os prepostos do glorioso exército brasileiro entregaram para uns traficantes lá no alto, lá no alto, mas lá no alto mais alto mesmo do morro, do céu.

Mas e o jornalista, o que é? Digam agora e com coragem, com meios e fins, com vontades, com descaro, indecentemente dizendo o que é, o jornalista, o que é?

O jornalista é esse sujeito ou essa sujeita que acordou cedo e também foi trabalhar numa grande empresa, só para ganhar o salário de poder pagar a universidade que ele está fazendo noturnamente e contra muitas expectativas. Então, esse não é ainda o jornalista, mas é o futuro jornalista que sai para trabalhar em companhias telefônicas, em enormes, enormes e mais enormes ainda instituições financeiras, em laboratórios de remédios, sempre ou quase sempre como estagiário, ganhando uma grana que é pra pagar a universidade e uma cervejinha depois da última aula e um bombonzinho que a colega vende em sala pra ajudar nas despesas, pra ajudar a mãe, o pai, os irmãos, só pra um dia todos eles poderem colocar uma roupa bonita, uma roupa a mais bacanuda que existe, mandada especialmente fazer para a ocasião, e irem bater palmas, assoviar, gritar, berrar, trazendo faixas e soltando confetes, soprando apitos estridentes e ficando muito felizes, mas muito felizes mesmo porque aquele sujeito ou aquela sujeita que antes acordava cedo e ia trabalhar de estagiário, de simples estagiário num banco, numa companhia telefônica ou num laboratório de remédios, agora, esse sujeito não vai ser mais um reles estagiário e está aí, saiu hoje cedinho com o currículo debaixo do braço e até o fim do dia, até o fim da semana, até o fim do mês, até o fim do ano, até o fim da vida, se Deus quiser, esse sujeito, essa sujeita, eu, tu, ele, ela, nós, vós, elas, eles arrumaremos um emprego que é pras coisas continuarem globalizadamente certas, vivendo o paradoxo intransponível de mudarem para continuar sempre, sempre, sempre no mesmo lugar.

Então, digam agora, com a sinceridade possível, com a dor agüentável, com o choro legítimo, com a fala embargada, a emoção sem limites, o medo, o medo, o medo, digam: o jornalista, o que é?

É esse arcanjo que, há três dias, há não sei quantos dias, saiu apaixonado investigando bandidos, mas esses bandidos descobriram que ele estava investigando, e, então, esses malucos pegaram esse arcanjo e torturaram, espancaram, bateram muito, cortaram os pés, as mãos, botaram fogo e deixaram queimar. E o corpo desse arcanjo queimou tanto e as cinzas e as fumaças voaram tão alto que muitos outros sujeitos e sujeitas quiseram também ser arcanjos e arcanjas só para não deixar de lembrar nunca de dois Vladimires: um jornalista, jornalista, sempre jornalista, que também morreu porque acreditava; e outro poeta, poeta, ininterruptamente poeta, que dizia querer “brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é pra brilhar, que tudo o mais vá pro inferno, este é o meu slogan e o do sol”.

Então, digam. Pelo amor de Deus, digam logo: o jornalista, o que é? Pelo amor dos slogans, pelo amor dos sóis, pelo amor dos brilhos eternos, das girafas e dos micos-leões-dourados que estão acabando, pelo amor das ladeiras de Ouro Preto, pelo amor dos anjos e dos arcanjos, dos rouxinóis que cantam futuros repletos de furacões, pelo que está escrito em Jó e Eclesiastes, pelo que está dito em Rubem e Nélson também, pelo perseguido e pelo perseguidor, pelo palhaço adormecido perto das estrelas com um cachorrinho lambendo seu rosto, pelos que morrem e pelos que vivem, pelos que têm e pelos que não têm razão. Digam, digam logo: o jornalista, o que é?

Ah, sim. Talvez o jornalista seja esse sujeito que escreve, que escreve porque tem que escrever, porque precisa escrever, que escreve para ser ele próprio escrito, que sacrifica, que grita, que berra, que fala baixinho para o outro não acordar, que expulsa os comerciantes do templo, que acolhe os amigos com beijos na testa, que perdoa os inimigos quando eles merecem, que chora, que chora, que chora, que ri, que tem medo, que vai adiante, que vem aquém, que vai além, que importa, que respira, que transpira, que suspira, que assume, que se levanta, que se levanta agora neste mesmo momento e diz: -Sim, sou eu esse sujeito, sou eu esse homem, essa mulher, que está aqui agora, que está aqui agora com o coração suspenso, com os corações ao alto, sou eu esse sujeito que está aqui agora para assumir o que tiver que ser assumido, sou eu esse pobre, sou eu esse negro, sou eu esse gay, sou eu esse gordo, sou eu esse magro, sou eu essa diferença, sou eu essa oposição, sou eu esse feio, sou eu esse guapo, sou eu esse desajeitado, sou eu esse impaciente, sou esse inconformado, sou eu essa diversidade, sou eu esse mendigo, sou eu esse povo, sou eu essa dor, sou eu esse medo, sou eu esse ímpeto, sou eu essa vontade, sou eu essa esperança, sou eu essa verdade, sou eu essa busca, sou eu esse amor.

Sim, sou eu esta Alessandra, sou eu este Alisson, sou eu esta Ana Paula, sou eu este André, sou eu esta Antisa, sou eu esta Ariane, este Bruno, somos nós estas Camilas, sou eu este Cássio, esta Cláudia, esta Cristiane, sou eu este Edmundo, esta Emile, esta Emmanuelle, esta Fabiana, esta Fabrícia, esta Fernanda, esta Flávia, sou eu este Hudson, esta Jordânia, esta Laura, sou eu este Lázaro, este Leandro, esta Lidiane, somos nós estas Lívias, sou eu este Lucas, esta Luciene, esta Ludmila, este Marcos, esta Maria Letícia, esta Nilde, esta Patrícia, este Peterson, esta Poliana, esta Priscila, esta Rita, este Robson, este Samuel, esta Sandreane, esta Sheila, este Vinicius. Sim, sou eu esse povo, sou eu essa dor, sou eu esse medo, sou eu esse ímpeto, sou eu essa vontade, sou eu essa esperança, sou eu essa verdade, sou eu essa busca, sou eu esse amor.

Então, respondam, respondam logo e sem perder um único segundinho sequer: o jornalista, o que é?
  • Discurso pronunciado na formutura da turma de Jornalismo, turno da noite, do UNI-BH, em setembro de 2008.

quarta-feira, agosto 27, 2008

Projeto Espaço Aberto

O QUE:
Projeto Espaço Aberto, da Cia. Pierrot Lunar
“A palavra e a escrita”
Encontro com os escritores Branca Maria de Paula e Edmundo de Novaes Gomes.
Produção: Léo Quintão e Neise Neves.
Realização: Cia. Pierrot Lunar.

ONDE:
Sede da Cia. Pierrot Lunar: Rua Ipiranga, 137, Floresta, BH, MG
Informações: (31) 9970-6521/ 8644-9918/
pierrotlunar@palcobh.com.br

QUANDO:
Dia 30 de agosto, sábado, 17h.

QUANTO:
Entrada franca
INFORMAÇÕES:

quarta-feira, julho 02, 2008

FIT BH - Servidão e Atrás dos olhos das meninas sérias

Nesta 9ª edição do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte, duas peças com texto meu podem ser vistas: Servidão, adaptação que fiz de Of human Bondage, de Somerset Maughan; e Atrás dos olhos das meninas sérias, adaptação que Juarez Dias fez do meu romance Falar. Os dados vêm a seguir.

Atrás dos olhos das meninas sérias

Elenco: Léo Quintão, Neise Neves
Direção: Juarez Dias
Local: Funarte - Casa do Conde
Dias: 3, 4 e 5 de julho




Servidão

Elenco: Luiz Arthur, Samira Ávila, Cynthia Paulino, Rafael Neumayr
Direção: Carlos Gradim
Local: Odeon Espaço Cultural
Dias: 4, 5 e 6 de julho

Mais informações: http://www.fitbh.com.br

sábado, maio 31, 2008

O que eu queria dizer a todos é muito simplesmente um resumo. Algo que, falando de minha gratidão por ter sido aqui chamado, dissesse também do desejo que sinto por todos e por cada um de vós. Um desejo ingente de que todos tenhais sempre aquilo que é o motivo de vossa permanente e apaixonada luta.

Já pensastes o que de fato quereis?

Um emprego capaz de trazer fama e fortuna? Aquele, em que com o passar apenas de um tantinho de tempo, faça com que sejais apontados no meio da rua pelo estudante de jornalismo que diz: - Olha! Olha só quem vai ali. É. É ele mesmo. Aquele repórter famoso, que ainda ontem deu um furo.

É ser este repórter o que de fato quereis?

Ou ser aquela mãe orgulhosa de sete filhos saudáveis, inteligentes, educados e muito, mas muito bonitos mesmo? Esta mãe que, chegando à tardinha de seu honestíssimo trabalho, ganha sete beijos molhados e setenta sinceros pedidos de bênçãos, cada qual acompanhado de setecentos carinhos catitas que partem desses vossos sete filhos que, como já disse, são todos eles bonitos, educados, inteligentes e, o principal, muito, mas muito saudáveis mesmo.

É ser esta mãe ou este pai o que de fato quereis?

Ou até, quem sabe?, ser esse João que vai, em seu carro chique-chique, tomar correndo o jatinho particular, porque ele, este João, não quer de modo algum perder um minuto que seja de suas férias eternas naquele hotel que é o melhor do planeta Terra inteiro. Cumpre dizer que este João segue assim feliz há mais de mês, entre festas e sestas, desde que então ganhou sozinhozinho só o maior prêmio da mega-sena já sorteado neste país.

É ser este João o que de fato quereis?

Mas, em sonhos de felicidades, modelos é o que não vos faltarão para escolher um futuro que seja tão digno de vós quanto vós dele sereis dignos. Um ator insigne e talentoso. Um jornalista ético e humilde. Um sonhador sério e determinado. Um escritor desconhecido, mas auspicioso. Um político circunspecto e virtuoso. Um pobre rico, porque honesto.

Sim. Quaisquer desses tipos que escolherdes, dúvidas não há de que, com proveito e afinco, o sucesso baterá sempre em vossa porta na forma de um anjo bom e belo, porque, afinal, eu mesmo estou desejando que isso vos aconteça.

Mas, então, se já tudo está pronto e escolhido, se a felicidade é trepidantemente certa e o futuro são só venturas, então, que faltará? Que resumo é este que se alonga tanto e não é desejado logo de uma vez, carambolas!?

Pois, então, direi logo: assim tão resumido que apenas uma palavra é suficiente para preenchê-lo. Isto mesmo! Uma palavrinha sem a qual o repórter lá do início deste discurso será famoso, mas triste. Uma unidade que, sem ela, os setecentos carinhos catitas estariam impossíveis de acontecer, e o maior prêmio de loteria não seria suficiente para emprestar sequer um cadinho de felicidade.

Sim. Uma palavrinha sem a qual o talento fica vazio, a seriedade perde o sentido, o proveito já não basta, a alegria não acontece, a virtude não prevalece e o honesto não sorri.

Sim. É essa palavrinha que quero vos desejar, para que a tenhais por toda vida, dando sentido amplo, fértil e religioso a tudo aquilo que fizerdes como jornalistas, como homens, como mulheres, como atores principais de uma vida que é só vossa.

E tal palavrinha só poderia ser aquela que de fato é: pequena e robusta, simples e múltipla, fácil e dura, tênue e eterna.

Amor. Que é esta a palavrinha que desejo a todos e a cada um de vós. Para que a tenhais sempre dentro e fora de vosso ser. Provocando tempestades e sossegando furacões, durando infinitivos e interrompendo gerúndios. Inspirando odes e epopéias, encontros e despedidas, risos e lágrimas.

Sim. Esse amor que é só vida: pura, puríssima vida. É o que vos desejo neste dia tão especial.

Muito obrigado, meus sempre e queridos amados.

  • Discurso pronunciado na formutura da turma de Jornalismo, turno da noite, do UNI-BH, em março de 2008.

quinta-feira, maio 15, 2008

Pertencemos a lugares distintos. Todos nós. E, quando saímos do nosso lugar para ocupar outro, as pessoas ficam feridas e respondem com fogo. O que é que você está fazendo aqui, sua puta? Você não sabe que seu lugar não é este? Já não te avisei 888 mil vezes que sua esquina não é esta? Ou você está aqui porque é boba e quer sacanear a gente? Pois saiba, então, sua piranhuda do rabo fodido, que aqui é que você não pode ficar. E não podemos ficar sabe por quê? Porque somos pretos, ou magros demais, ou gordos, ou feios, ou até bonitos, ou inteligentes, ou bem ou mal-humorados, ou judeus, ou japas, ou bichas, ou veados, ou sapatões, ou homens, ou mulheres, ou travestis e Aqui neste lugar você não pode ficar porque não sei quem inventou isso de que você não pode ficar aqui e essa pessoa mijou no chão e marcou o território e se você entrar na área proibida leva uma porrada, um tiro. É assim: brigam com a gente, brincam com a gente, fodem a gente, zombam, humilham, pisam em cima, chamam dos nomes todos que inventaram para o capeta, dizem assim Você é preto, sua bicha. Você é gay, seu judeu. Você já se viu no espelho, sua mocinha? Tem que emagrecer senão não passa na roleta, sua sapata. Entendeu agora por que você não pode fazer ponto nesta esquina aqui, sua amapoa?

E dessa maneira seguem as coisas. Comigo, por exemplo, a idéia é de que eu não possa ser alguém inteligente, culta. Mas sou. Sempre fui e lutei para ser. E ser, meu querido, não é fácil. Não existe manual. Ser é quando você pega todas as suas coisas e junta cada uma delas no coração e na cabeça fazendo o que for preciso para que elas continuem ali e aí diz Esta aqui sou eu. Vou repetir: -Esta aqui sou eu e não é fácil, não é mole, a coisa é dura. Parece até aquela do Juá, uma bicha preta amiga minha que aparecia na abertura do Fantástico e cuja ferramenta era de 23 pra cima e quando endurecia pulsava robusta cheia de veias e não amolecia de jeito nenhum, arrasando bocas, bocetas e cus. Uma coisa a rola do Juá, meu Deus! Arrepio até de lembrar. Mas disto depois eu falo que agora não é hora de falar disso, porque o que eu estava dizendo é que a coisa não é mole não, mocinho. E foi porque eu disse que a coisa não era mole não que eu me lembrei da pica preta do Juá, dura como um colosso, portentosa, obreira, macunaímica, boa de brincar. Então que a coisa não é fácil. Nem pro Juá era. Tinha, o coitada, que estar com a ferramenta sempre rija, à disposição. Pra amapoas e araras, para adés e adés fontós, barbies e bibas, bofes e monocós. Não tinha direito, a pobre, de não estar com a rola sempre em pé. Uma máquina de fazer sexo, o Juá. Morreu.

E morreu do óbvio.

terça-feira, maio 06, 2008

Pretas, vermelhas, brancas, cor de rosa e alaranjadas, douradas e prateadas, em diversas tonalidades de creme. Estes são apenas os matizes mais comuns. Contudo, as variedades cromáticas não param por aí. É claro que não! Há as azuis, em tons tão diferentes como o turquesa, o aquamarine, o marinho, o petróleo, o autêntico cyan, o deepsky, o dodger e o clássico royal, dentre inúmeros outros. Nos amarelos, o ouro e as variações dos laranjas: dark orange, orange e orange red. Abaixo e acima do magenta, a abundância é impressionante. Para abreviar, poder-se-ia citar o pink, o salmon e o coral, por um lado; e, em uma escala de maior intensidade, os violetas, o fuchsia e o crimson. Há ainda as verdes, com intensidades que podem ir do chartreuse ao escuro mais simples, passando por delícias que viajam do abacate ao oliva. Neste parágrafo das cores, seria criminoso não destacar alguns epítetos que a elas se associam para tornar ainda mais rica e, porque não dizer, inteligente e criativa, a diversificação cromática. É o caso claro do substantivo de dois gêneros “bebê”, que torna azuis, verdes, amarelos e rosas infantilmente licenciosos, quase pervertidos.


Se nas cores a diversidade é ingente, nas estampas ela é infinita. É o que se pode comprovar em qualquer passeio por shopping centers e magazines grandes e pequenos localizados nos centros de cidades do mundo inteiro, exceto, talvez, as urbes islâmicas. Os motivos mais freqüentemente encontrados abusam de florais, bolinhas e outras figuras geométricas, listras verticais e horizontais em várias larguras, imitações de pele animal como a vulgar oncinha, além de detalhes variados e buliçosos de patchwork. Hilariantes também pode ser o uso que se faz das palavras. Já vi de todos os tipos, com idéias que vão do original ao mau gosto mais completo. Alguns exemplos: just do it; ISO 9002; o importante é a beleza interior; cuidado: piso escorregadio; aberto 24 horas (aff!); entre sem bater (aff!, aff!); I ♥ Ponta Grossa (pra não dizerem que sou mal humorada, eu também); obrigada, volte sempre!; se não for pra dar 5, nem tira; prepare-se para momentos de grande prazer; você me ama mesmo ou só quer me comer? Para aqueles dias chamados especiais, em que as amapoas estão de bajé, vi recentemente uma que dizia de modo grosseiro: desculpe o transtorno, entrada pelos fundos.


Quando o assunto são os formatos, o léxico também é admirável. Calcinhas, calçolas, calças, fio dental, asa delta, short doll, stripper, pom pom, a rodriguiana engraçadinha, soutache, lacinho, short lace e a tanga que, em minha opinião, deve vir sempre no diminutivo, o que faz com que este pequeno vocábulo adquira uma consistência hiperbólica, quase epífana: tanguinha! Como não poderia deixar de ser, a chamada lingerie, palavra francesa cuja etimologia é datada do final do século XV, pode ser confeccionada de inúmeros tipos de tecido e até mesmo de materiais sintéticos como o plástico. As mais confortáveis são, sem dúvida alguma, as de algodão, em malha. Mas há também as de poliamida, tule em nylon, liganete, seda, tecidos ambientais e recicláveis.


As chamadas calcinhas comestíveis são feitas de gelatina. Bem fininhas, elas imitam um tecido. Em sex shops, são encontradas nos sabores ordinários: menta, chocolate, morango e framboesa. O material com o qual são manufaturadas também serve, pretensamente, para estimular a prática do sexo oral. Mas nem todo mundo topa utilizar esta aberração sexo-culinária, uma vez que a calcinha comestível é vestida pela mulher como se fosse uma lingerie normal e, simplesmente, vai derretendo aos poucos, conforme os humores secretados pelo corpo feminino. Assim, na medida em que a mamífera é tocada e se excita, a calcinha se desfaz. No cunnilingus, ela pode ser, literalmente, devorada. Em resumo e francamente, apenas os muito pobres de espírito e imaginação soem recorrer a tais artifícios como estimulantes. Eu já provei algumas vezes, por sugestão de parceiros pouco dotados de criatividade ou bêbados. Trata-se de algo espetacularmente abominável!


Quanto às marcas, há as de sempre – como Valisère, Liz, Plié, Darling, Valfrance, Du Loren, De Millus, Hope – e aquelas um pouquinho mais requintadas, como Federica, La Perla e Eva Milano. Para meu estrito uso pessoal, prefiro as coleções de Victoria’s Secret, capazes de reunir novidades e frivolidades do mundo fashion sem perder a qualidade e, sobretudo, sem exagerar no preço. Creio que uma calcinha classuda é aquela capaz de excitar quem queremos excitar sem provocar duas reações imperdoáveis quando o assunto é intimidade. Ou seja: uma lingerie não deve fazer com que nos sintamos ridículas, mesmo que o consorte não se sinta assim; e também não deve nos parecer desconfortável, como se usássemos um cilício. Além disso, neném, há o fator custo-benefício que, nos dias de hoje, não deve ser nunca depreciado.


Lingeries são o meu fraco. Pra dizer a verdade, sempre foram. Sei disso desde mesmo muito mal em minha mocidade. São poucas as lembranças que guardo de minha infância mais tenra. A primeira delas, como já disse, são as das pernas daquele homem encolhidas e enoveladas entre as minhas: quentes, trêmulas e, quem sabe, úmidas. Outra é de Isaura me dando uma surra porque eu me negasse a recitar de cor, mesmo sabendo, a escalação completa de determinado time de futebol. Finalmente, e sem hesitação a mais feliz, é de como eu esperava todas as tardes a ida de Isaura à padaria para, durante o curto tempo em que ela lá se demorava, correr até certa gaveta, retirar dela alguma calcinha sedosa e cheirá-la, esfregando-a no rosto até a exaustão mais desesperada e completa. Apesar de ser uma idiota pusilânime, minha mãe tinha sua dose de bom gosto. Uma das maneiras de seduzi-lo eram, estou bastante segura, todas aquelas calcinhas e sutiãs cheirosos, macios e sedosos, quase indecentes.


Ah! Como eu me deliciava com cada uma daquelas texturas e odores durante o intervalo em que ela ia comprar o leite e o pão. A idéia principal era vestir uma de suas prendas rendadas, colocar-me à frente do espelho e admirar meu corpo imberbe, acrescentando com a imaginação aquilo que a realidade e a ciência ainda traziam impossível. Mas isto era completamente impraticável. Temia que Isaura chegasse e me flagrasse naquela luxúria inominável. Portanto, o único que eu podia fazer era mesmo imaginar. Esfregar sedas e algodões em minha face e sonhar, inventando nesta cabecinha de maravilhas uma menina levada, letrada e linda, vestida apenas com uma calcinha Victoria’s Secret e com seus dois limõezinhos de fora.


Nada de costelas, pensava eu: uma mulher pode sim começar a ser planejada com umas simples calcinhas e uns peitinhos diminutos.

quinta-feira, abril 24, 2008

Quero me casar

Quero me casar
Na noite na rua
No mar ou no céu
Quero me casar.

Procuro uma noiva
Loura morena
Preta ou azul
Uma noiva verde
Uma noiva no ar
Como um passarinho.

Depressa, que o amor
Não pode esperar!

-Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, janeiro 16, 2008

As Nossas Ofensas

O que é o perdão? Uma palavrinha que eu, você e a gentalha falamos da boca pra fora e que quer dizer não olhar mais para trás pra enxergar as culpas que você, eu e essa mesma gentalha temos assim uns com os outros? Clemência, absolvição, remissão dos pecados que já fizeram pra cada um de nós?

Nos meus começos, naquela minha busca impertinente da santidade, não conseguia nunca dizer desculpa. Era sempre Me perdoa, fulano, me perdoa, sicrano. Uma coisa! Esbarrava em alguém? Me perdoa. Esquecia uma coisa? Me perdoa. Perdão pra isso, perdão praquilo, perdão praquilo outro também. Todos eram perdoados por mim. Perdoados sempre, nas coisas mais baratas e mais caras, mais pueris e mundanas, inexoravelmente perdoados.

Só que, euzinha aqui, ninguém nunca me perdoou. Não é mentira não. Ninguém nunca me disse Perdão, Ana ou Perdão, professora. Eram sempre desculpas. Desculpinhas tolas, batidinhas no ombro, algumas vezes vazias e tardias. E eu lá: perdão pra lá, perdão pra cá. Pois agora, meu tchururuquis, quero gritar pra esse sertão inteiro me ouvir, pra esse sertão inteiro me escutar: Eu não te perdôo não. Nem te desculpar eu te desculpo. Existem coisas que nem Deus desculpa. Ele, que está acima de todas as coisas e Cujo nome é santo. Ele, que está agora forte a meu lado, junto com todos os exus do mundo e todas as pombas-giras também. Ele, que está limpando com esse limão cheiroso a merda que eu passei na sua cara e depois que esta sua cara está toda limpinha e lambuzada de limão, até com uns gominhos enfeitando; Ele, que me ajuda a abrir a janela e deixar o sol entrar e bater forte em sua cara pra você ver que ainda não chegou sua hora e que você está vivo com a cara preta queimando de ácido cítrico. Ele, que criou o mesmo sol que bate agora no seu rosto, que criou o mesmo sertão que vai ser sua última morada. Ele, que é meu pai e meu algoz, minha dor e minha brisa, minha coragem e covardia, seiva seca, deserto fértil, corda que enforca e chão que ampara, arado e areia, morro e pedra, banana e macaco. Ele, criador e criatura. Ele, O onipresente, O que ordena, O que governa, O que é. Ele, que não vai te perdoar tudo aquilo que me fizeste e vai te fazer sangrar até o bilbo. Ele, que está em tudo e em tudo está.

Ele, Eu.