quarta-feira, março 25, 2009

Homens já maduros, entrados na meia-idade, senhores acima dos 40, muitos deles casados. Estes são os clientes. Gays ou não, a discussão é longa e envolve artigos e mais artigos de antropólogos e sociólogos do mundo inteiro. Só na universidade católica em que estudei havia duas professoras com doutorado em travestis. Já contei, não contei? Não é comum nesse meio, mas fiz cinco semestres de direito na PUC. Então, como ia dizendo, uma das profs fez doutorado em Barcelona; a outra, em Paris. Sim, neném. Gastam dinheiro para tentar entender essa coisa que somos. Essa coisa sem explicação. Aquilo que conserta e desconserta. O emaranhado total, como dizem. O verdadeiro redemoinho. A alucinação. A memória.

Aqui estou eu, esta mulher perfeita, assim como me disse um professor também da universidade. Ai, gente, eu ainda era um erezinho, que depois das aulas se vestia de menina e ia pra pista: os peitinhos mínimos, a mini-saia curta e plissada, tênis e meia soquete, camisa dando nó pra mostrar o umbiguinho, meus cílios pintados, a boquinha vermelha, carnuda. E uma pintinha em cima do lábio direito. Não sei por que, mas eu amava aquela pintinha fake. Tanto é que demorei muito tempo pra deixar de usar aquela bobagem.

Mas não é isso. Eu estava mesmo era falando do olhar entupido de tesão do professor quando ele me viu entrando no banheiro, a universidade vazia. Eu estava mesmo era dizendo que ele parou na minha frente e ordenou Hoje você vai se montar lá em casa. Então, adoçando um pouquinho a mirada, colocou a mão no meu ombro e disse Vem.

E eu fui. Lá, numa casa grande e vazia que mostrava que aquele senhor todo peludo tinha acabado de se separar, ele me mostrou o quarto e o banheiro e depois saiu. Seguidinho, quando eu ainda estava em frente ao espelho, acabando de passar o lápis nos olhos e já pensando na cor do batom, vi que ele entrou e se deitou na cama. Será que estava pelado? Não. Não estava. Quando saí mocinha da suíte, encontrei direto o olhar daquele senhor de quarenta anos, já maduro, separado. Ele me puxou pela mão, sorriu, me acariciou suave e me beijou. Um beijo longo, enorme, daqueles capazes de fazer qualquer menininha se sentir mulher de verdade.

A partir daí, foi uma loucura. Mãos que se confundiam, segurando coxas, segurando carnes, segurando paus. Línguas que queriam o texto da pele, lambendo suores doces. Cheiros capazes de entontecer e quase fazer desmaiar. Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. O que somos nós, antropólogos de merda? O que queremos nós, escritores mentirosos? O que estamos fazendo em corpos que não nos vestem, em cabeças que não nos acompanham, em almas que nos abandonam à primeira investida do susto inevitável? O único que sei agora é que sou esta mulher que já foi menino. E que hoje sou esse homem que é uma máquina. A mulher perfeita, me disse o tal professor, quando eu ainda era uma ninfeta quase impúbere. A mulher perfeita, com um corpo de escultura e uma rola bem grande no meio das pernas. Se você quiser meter, você mete. Se quiser dar, você dá. Você faz aquilo que quiser, porque eu estou pronta e pronto para você. Sou essa mocinha indefesa e sou esse feixe teso de músculos esperando a hora certa pra esporrar na sua cara. Saída e entrada, vôo e queda, luz e escuridão, tudo e nada. Sou aquilo que nem sei que sou. Uma máquina. Uma máquina de sexo.

Mas, no chão sem tapetes da casa do professor, encostada na parede, dentro de um porta-retratos, havia a foto de um menino de uns doze anos que devia ser o filho dele. Um menino bonito, lindo, mas dono de um sorriso triste que só agora eu posso me lembrar que o sorriso daquele garoto era mesmo um sorriso muito triste mesmo. Mas isso não vem ao caso. A verdade é que a foto continuou ali enquanto, pela primeira vez, eu me sentia mulher de verdade. O homem enfiando o seu pau enorme em mim e a foto ali. O homem me fazendo engasgar e aquela foto ali. O homem chupando meu pau e a foto ali.

A foto ali me dando um tesão que até hoje eu só posso reencontrar na minha memória. Isso. Nunca mais me senti como daquela vez. Até hoje busco, e não encontro. Até hoje peço, e não me dão. Até hoje rezo, e não me atendem. Nunca mais sofri o mesmo daquela noite inteira, sob o olhar daquele menino lindo e branco e delicado; e emaranhada nos braços e lambuzada na saliva e encharcada na porra e perdida, irremediavelmente perdida e mulher nos braços daquele homem inteiro e sem escrúpulo algum nos prazeres das mortes que nos transformam em algo que nem sabemos o que é. Só depois que ele saiu para se limpar e me deixou sozinha e suada em cima da cama bagunçada é que eu olhei diferente para aquela foto. Sim, talvez fosse isso.

Eu já não tinha mais doze anos e começava a me transformar em uma máquina que também era capaz de chorar.

terça-feira, março 10, 2009