sábado, maio 31, 2008

O que eu queria dizer a todos é muito simplesmente um resumo. Algo que, falando de minha gratidão por ter sido aqui chamado, dissesse também do desejo que sinto por todos e por cada um de vós. Um desejo ingente de que todos tenhais sempre aquilo que é o motivo de vossa permanente e apaixonada luta.

Já pensastes o que de fato quereis?

Um emprego capaz de trazer fama e fortuna? Aquele, em que com o passar apenas de um tantinho de tempo, faça com que sejais apontados no meio da rua pelo estudante de jornalismo que diz: - Olha! Olha só quem vai ali. É. É ele mesmo. Aquele repórter famoso, que ainda ontem deu um furo.

É ser este repórter o que de fato quereis?

Ou ser aquela mãe orgulhosa de sete filhos saudáveis, inteligentes, educados e muito, mas muito bonitos mesmo? Esta mãe que, chegando à tardinha de seu honestíssimo trabalho, ganha sete beijos molhados e setenta sinceros pedidos de bênçãos, cada qual acompanhado de setecentos carinhos catitas que partem desses vossos sete filhos que, como já disse, são todos eles bonitos, educados, inteligentes e, o principal, muito, mas muito saudáveis mesmo.

É ser esta mãe ou este pai o que de fato quereis?

Ou até, quem sabe?, ser esse João que vai, em seu carro chique-chique, tomar correndo o jatinho particular, porque ele, este João, não quer de modo algum perder um minuto que seja de suas férias eternas naquele hotel que é o melhor do planeta Terra inteiro. Cumpre dizer que este João segue assim feliz há mais de mês, entre festas e sestas, desde que então ganhou sozinhozinho só o maior prêmio da mega-sena já sorteado neste país.

É ser este João o que de fato quereis?

Mas, em sonhos de felicidades, modelos é o que não vos faltarão para escolher um futuro que seja tão digno de vós quanto vós dele sereis dignos. Um ator insigne e talentoso. Um jornalista ético e humilde. Um sonhador sério e determinado. Um escritor desconhecido, mas auspicioso. Um político circunspecto e virtuoso. Um pobre rico, porque honesto.

Sim. Quaisquer desses tipos que escolherdes, dúvidas não há de que, com proveito e afinco, o sucesso baterá sempre em vossa porta na forma de um anjo bom e belo, porque, afinal, eu mesmo estou desejando que isso vos aconteça.

Mas, então, se já tudo está pronto e escolhido, se a felicidade é trepidantemente certa e o futuro são só venturas, então, que faltará? Que resumo é este que se alonga tanto e não é desejado logo de uma vez, carambolas!?

Pois, então, direi logo: assim tão resumido que apenas uma palavra é suficiente para preenchê-lo. Isto mesmo! Uma palavrinha sem a qual o repórter lá do início deste discurso será famoso, mas triste. Uma unidade que, sem ela, os setecentos carinhos catitas estariam impossíveis de acontecer, e o maior prêmio de loteria não seria suficiente para emprestar sequer um cadinho de felicidade.

Sim. Uma palavrinha sem a qual o talento fica vazio, a seriedade perde o sentido, o proveito já não basta, a alegria não acontece, a virtude não prevalece e o honesto não sorri.

Sim. É essa palavrinha que quero vos desejar, para que a tenhais por toda vida, dando sentido amplo, fértil e religioso a tudo aquilo que fizerdes como jornalistas, como homens, como mulheres, como atores principais de uma vida que é só vossa.

E tal palavrinha só poderia ser aquela que de fato é: pequena e robusta, simples e múltipla, fácil e dura, tênue e eterna.

Amor. Que é esta a palavrinha que desejo a todos e a cada um de vós. Para que a tenhais sempre dentro e fora de vosso ser. Provocando tempestades e sossegando furacões, durando infinitivos e interrompendo gerúndios. Inspirando odes e epopéias, encontros e despedidas, risos e lágrimas.

Sim. Esse amor que é só vida: pura, puríssima vida. É o que vos desejo neste dia tão especial.

Muito obrigado, meus sempre e queridos amados.

  • Discurso pronunciado na formutura da turma de Jornalismo, turno da noite, do UNI-BH, em março de 2008.

quinta-feira, maio 15, 2008

Pertencemos a lugares distintos. Todos nós. E, quando saímos do nosso lugar para ocupar outro, as pessoas ficam feridas e respondem com fogo. O que é que você está fazendo aqui, sua puta? Você não sabe que seu lugar não é este? Já não te avisei 888 mil vezes que sua esquina não é esta? Ou você está aqui porque é boba e quer sacanear a gente? Pois saiba, então, sua piranhuda do rabo fodido, que aqui é que você não pode ficar. E não podemos ficar sabe por quê? Porque somos pretos, ou magros demais, ou gordos, ou feios, ou até bonitos, ou inteligentes, ou bem ou mal-humorados, ou judeus, ou japas, ou bichas, ou veados, ou sapatões, ou homens, ou mulheres, ou travestis e Aqui neste lugar você não pode ficar porque não sei quem inventou isso de que você não pode ficar aqui e essa pessoa mijou no chão e marcou o território e se você entrar na área proibida leva uma porrada, um tiro. É assim: brigam com a gente, brincam com a gente, fodem a gente, zombam, humilham, pisam em cima, chamam dos nomes todos que inventaram para o capeta, dizem assim Você é preto, sua bicha. Você é gay, seu judeu. Você já se viu no espelho, sua mocinha? Tem que emagrecer senão não passa na roleta, sua sapata. Entendeu agora por que você não pode fazer ponto nesta esquina aqui, sua amapoa?

E dessa maneira seguem as coisas. Comigo, por exemplo, a idéia é de que eu não possa ser alguém inteligente, culta. Mas sou. Sempre fui e lutei para ser. E ser, meu querido, não é fácil. Não existe manual. Ser é quando você pega todas as suas coisas e junta cada uma delas no coração e na cabeça fazendo o que for preciso para que elas continuem ali e aí diz Esta aqui sou eu. Vou repetir: -Esta aqui sou eu e não é fácil, não é mole, a coisa é dura. Parece até aquela do Juá, uma bicha preta amiga minha que aparecia na abertura do Fantástico e cuja ferramenta era de 23 pra cima e quando endurecia pulsava robusta cheia de veias e não amolecia de jeito nenhum, arrasando bocas, bocetas e cus. Uma coisa a rola do Juá, meu Deus! Arrepio até de lembrar. Mas disto depois eu falo que agora não é hora de falar disso, porque o que eu estava dizendo é que a coisa não é mole não, mocinho. E foi porque eu disse que a coisa não era mole não que eu me lembrei da pica preta do Juá, dura como um colosso, portentosa, obreira, macunaímica, boa de brincar. Então que a coisa não é fácil. Nem pro Juá era. Tinha, o coitada, que estar com a ferramenta sempre rija, à disposição. Pra amapoas e araras, para adés e adés fontós, barbies e bibas, bofes e monocós. Não tinha direito, a pobre, de não estar com a rola sempre em pé. Uma máquina de fazer sexo, o Juá. Morreu.

E morreu do óbvio.

terça-feira, maio 06, 2008

Pretas, vermelhas, brancas, cor de rosa e alaranjadas, douradas e prateadas, em diversas tonalidades de creme. Estes são apenas os matizes mais comuns. Contudo, as variedades cromáticas não param por aí. É claro que não! Há as azuis, em tons tão diferentes como o turquesa, o aquamarine, o marinho, o petróleo, o autêntico cyan, o deepsky, o dodger e o clássico royal, dentre inúmeros outros. Nos amarelos, o ouro e as variações dos laranjas: dark orange, orange e orange red. Abaixo e acima do magenta, a abundância é impressionante. Para abreviar, poder-se-ia citar o pink, o salmon e o coral, por um lado; e, em uma escala de maior intensidade, os violetas, o fuchsia e o crimson. Há ainda as verdes, com intensidades que podem ir do chartreuse ao escuro mais simples, passando por delícias que viajam do abacate ao oliva. Neste parágrafo das cores, seria criminoso não destacar alguns epítetos que a elas se associam para tornar ainda mais rica e, porque não dizer, inteligente e criativa, a diversificação cromática. É o caso claro do substantivo de dois gêneros “bebê”, que torna azuis, verdes, amarelos e rosas infantilmente licenciosos, quase pervertidos.


Se nas cores a diversidade é ingente, nas estampas ela é infinita. É o que se pode comprovar em qualquer passeio por shopping centers e magazines grandes e pequenos localizados nos centros de cidades do mundo inteiro, exceto, talvez, as urbes islâmicas. Os motivos mais freqüentemente encontrados abusam de florais, bolinhas e outras figuras geométricas, listras verticais e horizontais em várias larguras, imitações de pele animal como a vulgar oncinha, além de detalhes variados e buliçosos de patchwork. Hilariantes também pode ser o uso que se faz das palavras. Já vi de todos os tipos, com idéias que vão do original ao mau gosto mais completo. Alguns exemplos: just do it; ISO 9002; o importante é a beleza interior; cuidado: piso escorregadio; aberto 24 horas (aff!); entre sem bater (aff!, aff!); I ♥ Ponta Grossa (pra não dizerem que sou mal humorada, eu também); obrigada, volte sempre!; se não for pra dar 5, nem tira; prepare-se para momentos de grande prazer; você me ama mesmo ou só quer me comer? Para aqueles dias chamados especiais, em que as amapoas estão de bajé, vi recentemente uma que dizia de modo grosseiro: desculpe o transtorno, entrada pelos fundos.


Quando o assunto são os formatos, o léxico também é admirável. Calcinhas, calçolas, calças, fio dental, asa delta, short doll, stripper, pom pom, a rodriguiana engraçadinha, soutache, lacinho, short lace e a tanga que, em minha opinião, deve vir sempre no diminutivo, o que faz com que este pequeno vocábulo adquira uma consistência hiperbólica, quase epífana: tanguinha! Como não poderia deixar de ser, a chamada lingerie, palavra francesa cuja etimologia é datada do final do século XV, pode ser confeccionada de inúmeros tipos de tecido e até mesmo de materiais sintéticos como o plástico. As mais confortáveis são, sem dúvida alguma, as de algodão, em malha. Mas há também as de poliamida, tule em nylon, liganete, seda, tecidos ambientais e recicláveis.


As chamadas calcinhas comestíveis são feitas de gelatina. Bem fininhas, elas imitam um tecido. Em sex shops, são encontradas nos sabores ordinários: menta, chocolate, morango e framboesa. O material com o qual são manufaturadas também serve, pretensamente, para estimular a prática do sexo oral. Mas nem todo mundo topa utilizar esta aberração sexo-culinária, uma vez que a calcinha comestível é vestida pela mulher como se fosse uma lingerie normal e, simplesmente, vai derretendo aos poucos, conforme os humores secretados pelo corpo feminino. Assim, na medida em que a mamífera é tocada e se excita, a calcinha se desfaz. No cunnilingus, ela pode ser, literalmente, devorada. Em resumo e francamente, apenas os muito pobres de espírito e imaginação soem recorrer a tais artifícios como estimulantes. Eu já provei algumas vezes, por sugestão de parceiros pouco dotados de criatividade ou bêbados. Trata-se de algo espetacularmente abominável!


Quanto às marcas, há as de sempre – como Valisère, Liz, Plié, Darling, Valfrance, Du Loren, De Millus, Hope – e aquelas um pouquinho mais requintadas, como Federica, La Perla e Eva Milano. Para meu estrito uso pessoal, prefiro as coleções de Victoria’s Secret, capazes de reunir novidades e frivolidades do mundo fashion sem perder a qualidade e, sobretudo, sem exagerar no preço. Creio que uma calcinha classuda é aquela capaz de excitar quem queremos excitar sem provocar duas reações imperdoáveis quando o assunto é intimidade. Ou seja: uma lingerie não deve fazer com que nos sintamos ridículas, mesmo que o consorte não se sinta assim; e também não deve nos parecer desconfortável, como se usássemos um cilício. Além disso, neném, há o fator custo-benefício que, nos dias de hoje, não deve ser nunca depreciado.


Lingeries são o meu fraco. Pra dizer a verdade, sempre foram. Sei disso desde mesmo muito mal em minha mocidade. São poucas as lembranças que guardo de minha infância mais tenra. A primeira delas, como já disse, são as das pernas daquele homem encolhidas e enoveladas entre as minhas: quentes, trêmulas e, quem sabe, úmidas. Outra é de Isaura me dando uma surra porque eu me negasse a recitar de cor, mesmo sabendo, a escalação completa de determinado time de futebol. Finalmente, e sem hesitação a mais feliz, é de como eu esperava todas as tardes a ida de Isaura à padaria para, durante o curto tempo em que ela lá se demorava, correr até certa gaveta, retirar dela alguma calcinha sedosa e cheirá-la, esfregando-a no rosto até a exaustão mais desesperada e completa. Apesar de ser uma idiota pusilânime, minha mãe tinha sua dose de bom gosto. Uma das maneiras de seduzi-lo eram, estou bastante segura, todas aquelas calcinhas e sutiãs cheirosos, macios e sedosos, quase indecentes.


Ah! Como eu me deliciava com cada uma daquelas texturas e odores durante o intervalo em que ela ia comprar o leite e o pão. A idéia principal era vestir uma de suas prendas rendadas, colocar-me à frente do espelho e admirar meu corpo imberbe, acrescentando com a imaginação aquilo que a realidade e a ciência ainda traziam impossível. Mas isto era completamente impraticável. Temia que Isaura chegasse e me flagrasse naquela luxúria inominável. Portanto, o único que eu podia fazer era mesmo imaginar. Esfregar sedas e algodões em minha face e sonhar, inventando nesta cabecinha de maravilhas uma menina levada, letrada e linda, vestida apenas com uma calcinha Victoria’s Secret e com seus dois limõezinhos de fora.


Nada de costelas, pensava eu: uma mulher pode sim começar a ser planejada com umas simples calcinhas e uns peitinhos diminutos.