Maria Lutterbach
Foi tardiamente que o escritor Edmundo de Novaes Gomes descobriu que ia morrer.
Não é que ele fechasse os olhos para a inevitabilidade do fim, mas, consumido pelo trabalho como publicitário, jornalista e, depois, professor, demorou um pouco a se lembrar que a morte chegaria um dia e que era tempo de fazer alguma coisa para si.
A tal “coisa” foi o livro “Falar”, “uma novela chata e pesada”, na descrição de Edmundo, que ganhou, em 2003, o Prêmio Casa de Cultura Mario Quintana, de Porto Alegre.
Depois de adaptar “Noites Brancas”, de Dostoievski, que foi para o teatro sob direção de Yara de Novaes, sua irmã, Edmundo assina agora um texto que tem como tema o inferno e que já está nas mãos do diretor Carlos Greradim para ganhar os palcos.
Desandou a escrever e nem pensa em parar. Relendo o texto sobre o inferno – que ainda não tem nome –, o autor percebeu algo que lhe havia escapado no processo de escrita.
“Vi que a minha grande preocupação ali diz respeito à adolescência porque meu filho, que está fazendo 16 anos hoje (ontem) está morando comigo. Pela minha insegurança em relação a isso, coloquei no texto drogas, um adolescente que se mata, uma paraplégica que sofre um acidente de carro. Porque, na realidade, quando escreve, você está mostrando sua alma”, diz.
A princípio com a idéia de se mirar no inferno da “Divina Comédia” de Dante para desenvolver seu texto, ele entendeu que tinha mais a dizer a respeito do inferno que paira entre nós, na terra, do que sobre aquele que estaria à espera dos pecadores no além.
“As pessoas ficam achando que o inferno é um lugar ruim, mas não é. O inferno é um lugar de muita justiça. O inferno do Dante é de uma justiça terrível, o meu não porque tem muita sacanagem, muita putaria. O inferno de Dante está debaixo de Jerusalém e o meu inferno fica na Terra. São algumas cenas que você vê acontecendo”, conta.
Se a princípio o texto seria baseado em Dante, depois se transformou em um inferno próprio do escritor: “A composição de personagens lembra Dante, mas lembra também Guimarães Rosa. Eu coloco um médico que está visitando o sertão, com um capiau do lado. Você pode imaginar que é Dante e Virgílio, mas também pode ser o Guimarães Rosa e o Manuelzão. O cenário do sertão é um cenário infernal”.
De frente
Com uma postura pouco condescendente, Edmundo de Novaes Gomes não enxerga grandes movimentos na literatura mineira contemporânea: “Belo Horizonte é uma farsa nisso, sempre foi. As pessoas, para escrever, precisam sair daqui”. E ele, que acha uma maravilha morar no miolo da avenida Afonso Pena, diz que ainda sai.
“Ainda vou morar na avenida Nossa Senhora de Copacabana, no meio da muvuca. Eu gosto de gás carbônico”. Naquilo que escreve, não contemporiza e diz na lata o que tem que dizer, ainda que ofenda. Na opinião do autor, registrar no papel o que está à nossa volta faz as dores do mundo parecerem mais graves.
“A gente passa o tempo todo vendo pessoas com fome, pessoas traindo umas às outras. No ‘Falar’, as pessoas ficam ‘absurdadas’ com aquilo que acontece ali, de uma mulher querer matar um ex-marido, mas isso acontece todo dia com a gente. Estamos cercados de pessoas que vivem mal, de casais que são inteiramente incongruentes, sacanas uns com os outros e a gente acha que é tudo normal. Mas se você colocar isso na literatura, aí dá merda”.
Ciente de que agride ao expor suas observações em palavras, Edmundo reafirma que não delata nada a mais do que aquilo que já está exposto:
“No livro ‘Por Onde Andam Meus Sapatinhos’ (seu segundo livro infanto-juvenil que deve ser lançado no ano que vem), tem um capítulo em que um menino da favela não entrega um papelote de cocaína e leva um tiro na mão. Eu estava numa roda de pessoas que fazem mestrado e doutorado, e elas falaram que era uma literatura infantil by Edmundo. E aí eu saquei como a gente é falso e hipócrita. As pessoas se sentem muito agredidas com a forma que eu escrevo e algumas falam que sou pornográfico. Mas sou uma pessoa careta, trabalho de sol a lua e até parei de beber”.
Revolução? “Não, é porque eu não quero morrer”.
-Jornal "O Tempo", Sexta-feira, 26 de agosto de 2005
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