Vim olhando a chuva fininha que molhava a vidraça do ônibus. A paisagem lá fora começava a escurecer. Sozinho, alheado, é o que poderiam dizer de mim. Nem mesmo o Psiu! do trocador conseguiu chamar minha atenção. Foi preciso que a garota a meu lado me cutucasse o ombro para que eu pudesse me lembrar que deveria me levantar e pegar o troco que o sujeito não me entregara quando passei pela roleta.
Alheado, sim. Só, não. Enquanto vinha com a vista pousada no movimento da cidade que desfilava para mim, estava também sonhando, distraído de tudo que acontecia ao redor. E é porque vinha aéreo que não estava abandonado. Sonhos são conjuntos de idéias itinerantes cuja maior propriedade é mesmo não nos deixar sozinhos. Sonhamos porque não suportamos a coisa da solidão.
Talvez seja por isso que, no Egito antigo, a mitologia rezava que os deuses haviam criado o sonho para apontar o caminho ao homem, uma vez que ele não podia prever o futuro. É esse, então, o motivo de sonharmos: adivinhar o que virá. E, assim, sonhamos de todas as maneiras e com tudo. Acordados e dormidos. Com riquezas e misérias. Coisas boas e ruins.
Eu, naquele momento em que olhava a vidraça de gotinhas e a moça bateu em meu ombro, encontrava-me em transe total com um certo devaneio. Sonhava que havia sonhado que podia ser feliz. Era isto mesmo. Na verdade, eu não delirava. Apenas me lembrava de um sonho que havia tido com tal intensidade que não houve remédio para ele, para tal quimera, a não ser tornar-se realidade.
Sim. Há sonhos que são definidos com tamanha energia que não conseguem escapar à possibilidade de desandarem reais. E só os deuses sabem o quanto havia rogado para que a felicidade me alcançasse e eu, numa tarde de primavera em que a chuvinha desse fina na vidraça de um ônibus, alcançasse enxergá-la de maneira trepidante.
No exato momento em que a menina tocou meu ombro, eu pensava que era feliz. Mas pensava também que o único defeito de tudo o que eu estava vivendo era não haver defeito algum. Foi então que este pensamento fez com que meu barco, que apenas há instantes havia zarpado para Ítaca, adernasse momentaneamente e eu passasse a temer o pior.
No entanto, depois que me levantei, peguei as moedinhas do troco e, quase numa prece, sentei-me de novo, percebi, aliviado, que o barco continuava na mesma direção, a toda vela. O que havia acontecido era o que sói ocorrer aos humanos que somos surpreendidos por alegria e fortuna intensas. Queremos acordar do sonho e dizer que tudo aquilo não pode ser possível.
No meu caso, contudo, a alegria era real. Absolutamente tangível. Tal felicidade, nos últimos tempos, passava as noites comigo. Acordávamos e, juntos, arrumávamos os lençóis da cama e fazíamos o desjejum sorrindo um para o outro. Depois, saíamos de mãos dadas pela cidade. Entre uma e outra coisa, colávamos nossas bocas apaixonadamente, inventando beijos que só existem mesmo nos sonhos. Meu mito havia se realizado, o barco zarpava decidido e reto, a chuvinha fina continuava a desenhar a vidraça do ônibus.
E o único defeito que eu podia vislumbrar era mesmo o fato de não haver defeito algum em tudo aquilo.
Alheado, sim. Só, não. Enquanto vinha com a vista pousada no movimento da cidade que desfilava para mim, estava também sonhando, distraído de tudo que acontecia ao redor. E é porque vinha aéreo que não estava abandonado. Sonhos são conjuntos de idéias itinerantes cuja maior propriedade é mesmo não nos deixar sozinhos. Sonhamos porque não suportamos a coisa da solidão.
Talvez seja por isso que, no Egito antigo, a mitologia rezava que os deuses haviam criado o sonho para apontar o caminho ao homem, uma vez que ele não podia prever o futuro. É esse, então, o motivo de sonharmos: adivinhar o que virá. E, assim, sonhamos de todas as maneiras e com tudo. Acordados e dormidos. Com riquezas e misérias. Coisas boas e ruins.
Eu, naquele momento em que olhava a vidraça de gotinhas e a moça bateu em meu ombro, encontrava-me em transe total com um certo devaneio. Sonhava que havia sonhado que podia ser feliz. Era isto mesmo. Na verdade, eu não delirava. Apenas me lembrava de um sonho que havia tido com tal intensidade que não houve remédio para ele, para tal quimera, a não ser tornar-se realidade.
Sim. Há sonhos que são definidos com tamanha energia que não conseguem escapar à possibilidade de desandarem reais. E só os deuses sabem o quanto havia rogado para que a felicidade me alcançasse e eu, numa tarde de primavera em que a chuvinha desse fina na vidraça de um ônibus, alcançasse enxergá-la de maneira trepidante.
No exato momento em que a menina tocou meu ombro, eu pensava que era feliz. Mas pensava também que o único defeito de tudo o que eu estava vivendo era não haver defeito algum. Foi então que este pensamento fez com que meu barco, que apenas há instantes havia zarpado para Ítaca, adernasse momentaneamente e eu passasse a temer o pior.
No entanto, depois que me levantei, peguei as moedinhas do troco e, quase numa prece, sentei-me de novo, percebi, aliviado, que o barco continuava na mesma direção, a toda vela. O que havia acontecido era o que sói ocorrer aos humanos que somos surpreendidos por alegria e fortuna intensas. Queremos acordar do sonho e dizer que tudo aquilo não pode ser possível.
No meu caso, contudo, a alegria era real. Absolutamente tangível. Tal felicidade, nos últimos tempos, passava as noites comigo. Acordávamos e, juntos, arrumávamos os lençóis da cama e fazíamos o desjejum sorrindo um para o outro. Depois, saíamos de mãos dadas pela cidade. Entre uma e outra coisa, colávamos nossas bocas apaixonadamente, inventando beijos que só existem mesmo nos sonhos. Meu mito havia se realizado, o barco zarpava decidido e reto, a chuvinha fina continuava a desenhar a vidraça do ônibus.
E o único defeito que eu podia vislumbrar era mesmo o fato de não haver defeito algum em tudo aquilo.
Um comentário:
"Once upon a time..." over and over as an endless love story. Is not it? Thanks God I'm alive!
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